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Este é um artigo extraordinário para os profissionais de comunicação. Um simples parágrafo está carregado de paradigmas do estado da comunicação.
Acompanhem-me:
- Marinho Pinto, recém-eleito deputado europeu, é contactado "sucessivamente" por quatro jornalistas, dos quais três, segundo ele, trabalhadores activos em orgãos de comunicação social portugueses
- O que querem os jornalistas? A primeira entrevista ao neófito deputado em Bruxelas? Não, querem "fazer" a comunicação do deputado em Lisboa.
- Razão? A "má imprensa" do personagem. Deduz-se que aqueles jornalistas iriam fazer "boa imprensa" pelas suas próprias penas ou conseguir "boa imprensa" de colegas seus jornalistas.
- Como reagiu Marinho? Recusando o trabalho de jornalistas para fazer a sua comunicação, alegando que os profissionais de comunicação (ele chama-lhes comunicadores) estão "ao serviço de interesses hostis aos valores éticos do jornalismo".
Podemos concluir que Marinho Pinto, ao não contratar jornalistas para "fazer" a sua comunicação, livrou os jornalistas de se tornarem comunicadores "ao serviço de interesses hostis aos valores éticos do jornalismo".
Isto em tudo se aparenta a um silogismo, mas de silogismos está o inferno cheio.
Foi hoje anunciado um dos maiores despedimentos colectivos num grupo de media em Portugal. A Controlinveste Conteúdos, empresa detentora dos títulos DN, JN, TSF e O JOGO, entre outros, anunciou hoje um processo de redução de efetivos no total de 160 postos de trabalho
Mais um despedimento colectivo entre centenas de outros que vamos lendo nas notícias, dizem.
Não é bem assim. Cada notícia destas que um jornalista escreve, é uma "mise en abyme". É escrever sobre a sua própria morte, é fazer a crónica de uma morte lenta anunciada há muito.
Valls em 2000 com o primeiro ministro Lionel Jospin
O novo chefe do governo francês, Manuel Valls, conhecido pela sua linha dura, reforçada pela circunstância de ter sido até agora o "ministro das polícias", é um homem da comunicação.
Entre 1997 e 2001 foi o assessor de imprensa de Lionel Jospin, primeiro ministro naquela época.
Arranca o mandato, à partida, com três vantagens:
- Conhece os media e os jornalistas
- Não beneficia da simpatia geral dos jornalistas, que o consideram brilhante mas arrogante
- Não gosta de jornalistas, mas respeita-os e sabe do seu poder.
Tem portanto todos os ingredientes para uma gestão eficaz da comunicação do seu governo e não se arrisca sequer a um "período de lua de mel" com a imprensa que tantas vezes inebria e depois desilude governantes mal preparados para a realidade mediática.
No tempo em que os ministérios, os institutos, as câmaras, a presidência, tudo e mais um par de botas (menos os tribunais) têm sites, "gabinetes de comunicação", assessores de imprensa e imagem e todo um exército de gente paga pelo erário público para disponibilizar informação e responder a perguntas, obter "dados" sobre seja o que for, é, como há 20 anos, um martírio.Este extracto de um post da jornalista Fernanda Câncio intitulado "Má informação" deu o mote para uma ideia há muito discutida em Portugal (e não só) pelas consultoras de comunicação e relações públicas.Os casos relatados por F. Câncio como "Assessores de imprensa que nunca têm tempo para atender o telefone ou que quando o atendem é para dizer "mande-me um mail"; que chegam a levar meses (tenho um caso recente) a responder a perguntas e mesmo assim só parcialmente ou nada;(...)" estão nos antípodas da postura das consultoras.A missão das consultoras de comunicação é facilitar acessos, informação, dados, estatísticas, posições, comentários. Fazem-no, em primeiro lugar, para servir os interesses ou as necessidades de comunicação dos seus clientes (que podem ser empresas privadas, mas também associações, organismos públicos, ONG, pessoas ou grupos de interesse) e que tenham relevância pública para os meios a que destinam as suas mensagens.Mas fazem-no também, muitas vezes, apenas para ajudar um jornalista numa matéria sobre a qual possuem informações e contactos. E, muitas vezes também, sem nenhum benefício concreto para o seu cliente.Aliás, os jornalistas tão bem sabem disso que quantas vezes, para obterem dados ou documentos oficiais sobre um tema público, ligam directamente para as organizações e empresas não-estatais ligadas a esse tema. Sabem que, se essa informação existir, e não estiver sob reserva de confidencialidade, as consultoras tudo farão para ajudar.Não se trata aqui de bons samaritanos. Apenas e tão só uma forma transparente e desassombrada de trabalhar informação. Como F. Câncio diz, "a maioria dos assessores de gabinetes já foram jornalistas". Pois bem, nas consultoras também existem ex-jornalistas. A questão é que, para uma missão aparentemente igual, as posturas são diferentes. A diferença é que os consultores dependem da sua competência, do seu profissionalismo e da sua boa reputação para sobreviver. São pagos para trabalhar, gerir e disponibilizar informação, não para a sonegar ou reter. É outra atitude perante a informação. As consultoras são hoje reconhecidas como os players mais transparentes do sistema mediático (que os social media vieram ampliar, e onde as consultoras também já trabalham com profissionalismo).Dito isto, deixo aqui o repto: Para quando a profissionalização da comunicação pública? Como em qualquer organização, deve existir um responsável interno pela comunicação. Mas este deve ser apoiado por uma equipa profissional que sabe que a transparência e o acesso rápido a informação, as respostas oportunas às questões dos jornalistas são condição para um jornalismo também ele mais conhecedor e por isso de maior qualidade, evitando as "manipulações e distorções" que Fernanda Câncio também refere no post.Se, recentemente, o governo recrutou uma agência internacional para trabalhar informação pública junto dos media internacionais, porque não fazê-lo internamente, ao nível de ministérios, agências estatais e outros organismos públicos?Responder-me-ão que os assessores são cargos que exigem confiança? Claro. O trabalho das consultoras também se baseia em confiança e um consultor tem deveres éticos de lealdade, confidencialidade e verdade.Uma ideia sobre a qual gostava de saber a opinião dos partidos que defendem a transparência, a democracia e a sociedade civil.
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