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Já muita tinta tem corrido sobre aquilo que Gustavo Cardoso designou ontem, na RTP3, de “comunicação da comunicação” de crise. A comunicação de crise é um tema bem estudado e um tópico fundamental da consultoria e da comunicação corporativa, e é parte integrante dos currículos escolares e da investigação em comunicação.

Mas quando a comunicação de crise é gerida por governos, estamos a falar de acção política. A crise entra no terreno da competição dos enquadramentos pelos quais é analisada a crise. Ou seja, quando comunicam uma crise, os líderes políticos e os governantes estão a competir numa arena com diversas interpretações, enquadramentos e narrativas da crise. O enquadramento em que é comunicada a crise não actua apenas sobre o contexto do evento (neste caso, evento energético disruptivo, vulgo ‘apagão’), mas a competição também se desenvolve no contexto político e nas intenções e competências de outros atores no desempenho comunicacional.

De uma perspetiva pragmática, a capacidade de gerir uma crise funciona como um teste, tanto para líderes empresariais como para governantes. No entanto, em sistemas democráticos como o nosso, o teste é também válido para a avaliação da robustez e da transparência das instituições. E as instituições que sustentam o nosso regime vão para além do governo.

A comunicação de crise gerida pelo governo e outras entidades públicas relevantes na crise de 28 de abril (proteção civil, rede de emergência médica, forças de segurança,..) é, por definição, um exercício de significado público. É necessário dar a públicos emocionalmente ansiosos um relato oficial e qualificado sobre o que está a acontecer e porquê, mas sobretudo orientar as pessoas para atitudes e comportamentos. Ou seja, o que devem pensar sobre a crise em curso e como devem agir. Há que construir rapidamente um significado comum, mesmo que ainda numa fase inicial de grande confusão e volatilidade, que reduza a incerteza e inspire confiança na liderança durante a crise, formulando rapidamente uma narrativa convincente.

Esta acção inicial será determinante na evolução do sentido comum, sobretudo num contexto de ‘desordem informacional’ potenciada pela internet. E, no caso vertente, também num contexto de campanha eleitoral. Está criada a tempestade perfeita para as narrativas oficiais serem desafiadas por interpretações divergentes de adversários políticos, jornalistas, comentadores, interesses setoriais… e ‘trolls’.

Por outro lado, não podemos esquecer que a comunicação de crise não é apenas uma prerrogativa do executivo governativo ou dos políticos. Existe uma dinâmica fundamental da ‘comunicação burocrática’ da crise para qual os organismos da administração pública estão normalmente bem preparados (e geralmente mais bem preparados que o governo).

E parece ter sido aqui que, no essencial, a comunicação falhou. A crer na ‘timeline’ partilhada pelo jornal Expresso, ao querer “centralizar a comunicação”, o governo atrasou a ‘comunicação burocrática’ (nomeadamente da protecção civil). Embora as boas práticas recomendem, de forma geral, o controlo/centralização da comunicação de crise corporativa num gabinete de crise e num porta-voz autorizado, a comunicação de crise pública deve ter em conta dois tipos distintos de comunicação de crise: a comunicação política e a comunicação burocrática. Quando a primeira não possui elementos suficientes, ou não consegue construir rapidamente uma narrativa consistente (parece ter sido o caso), deve deixar a segunda, geralmente bem ‘oleada’ e preparada, funcionar. Não creio que a tranquilização da população seja menor com mensagens das entidades diretamente ligadas à segurança e protecção das populações do que com as mensagens do governo. Pelo contrário, aquelas tendem a ter melhor reputação e credibilidade que os atores políticos.

Ou seja, ao querer gerir a comunicação de crise na arena da competição política, o governo quis ser o melhor aluno do teste e impediu um resultado colectivo superior. Este parece-me ser, para já, o melhor ensinamento a retirar desta crise situacional que se tornou, até pela sua rápida resolução, um interessante estudo de caso comunicacional.

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