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(11 de Março, Bairro do Cerco,Porto)
Trinta e um dias de Marcelo, (ex-)comentador e actual presidente. Breve primeiro balanço, com base em respostas que dei à Meios & Publicidade.
1. O presidente-spin doctor
Não sendo prática exclusiva do Presidente escolher jornalistas em detrimento de consultores de comunicação (basta ver as escolhas para os gabinetes ministeriais), a opção de Marcelo por três jornalistas para a assessoria de comunicação rompe com a tradição em Belém.
O caso concreto de Marcelo Rebelo de Sousa, grande comunicador e conhecedor profundo dos media, é contudo particular. É de crer que a estratégia está toda na sua cabeça e os assessores terão como função essencial criar o melhor palco possível para o desenvolvimento dessa estratégia. Não será por acaso que Marcelo foi buscar jornalistas de televisão, o meio onde ele cresceu como figura pública e onde sabe que (ainda) estão as melhores oportunidades de comunicar com o país real.
2. O presidente-rei
Marcelo adoptou a postura de um presidente-rei, parafraseando Fernando Pessoa. Percebeu que mesmo um regime semi-presidencialista pode acomodar os tiques de um regime presidencialista e até o conselho de estado parece querer evoluir para um senado.
Esta ampliação da função presidencial tem acolhimento na necessidade dos portugueses, num clima de crispação parlamentar e partidária, terem um referencial de estabilidade (e de afecto, sim!) no seu presidente. O estilo de comunicação faz a função evoluir para uma espécie de regime monárquico com tiques de presidencialismo. O “cão presidencial” remete-nos imediatamente para os “cães presidenciais” de Obama. A que se junta um estilo muito próprio, entre o paternal e o descontraído, que transmite segurança e proximidade.
Convém também lembrar que os primeiros actos diplomáticos do presidente-rei foram as visitas ao Vaticano (com referências à bula papal que reconheceu o estado português) e ao Rei de Espanha. Dois elementos que fazem parte integrante do nosso imaginário monárquico. Estes dois actos deram o mote ao mandato.
Marcelo está habituado a opinar, por isso o vemos e continuaremos a ver a comentar sobre os mais variados assuntos da vida nacional – desde o orçamento de estado à posição do governo sobre os presos políticos de Angola. A intervenção pública está-lhe no sangue e dificilmente abdicará do comentário.
O comentador não morreu, será que se salva a pátria?
Créditos da foto: Pedro Correia/Global Imagens
Ontem, enquanto por cá se lamentavam os cancelamentos dos corsos carnavalescos, desenrolava-se um interessante debate a propósito de um artigo de Lucy Kellaway no Financial Times.
A articulista decidiu escarrapachar ao mundo um email recebido do director de marketing e comunicação da Hewlett Packard. Em resumo, o responsável da HP não gostou de um comentário de Lucy a declarações da presidente da HP e - adivinhem - ameaçou a colunista de fazer o FT perder um anunciante. A colunista respondeu, numa nova coluna, a esta ameaça, com a cobertura do jornal.
Confesso que fiquei gelada. Se há argumento que um profissional de Public Relations se recusa a usar é o da publicidade. PR e publicidade são duas áreas distintas do marketing e, se é verdade que ambas se podem apoiar, não se misturam.
Todos os profissionais de Relações Públicas têm memórias nefastas deste tipo de abordagem. Confundir editorial com publicidade, tentar passar uma boa história com aliciamentos de investimento publicitário, é um argumento que repugna a essência do nosso trabalho. Quando tal acontece - e sabemos que acontece - não queremos saber. Ameaçar um jornalista ou um jornal através da publicidade pode matar meses, anos de relacionamento construído por um profissional de RP. A publicidade é um instrumento controlado de comunicação num canal que atinge os públicos-alvo de uma organização, é pago e faz parte de uma estratégia de promoção. As relações públicas procuram estabelecer, como o próprio nome indica, relações duradouras e de confiança com os públicos-alvo da organização, onde se incluem os jornalistas.
A própria Lucy reconhece que esta atitude já estava, aparentemente, há muito ultrapassada: "It is a very long time since I’ve been at the receiving end of such aggression. When I started out in journalism this sort of thing happened the whole time — whenever a chief executive didn’t like what you’d written, he was quite likely to snatch up the telephone, and shout and threaten you down it. Then, after the invention of PR, the shouting stopped."
Podemos pensar que o director da HP foi pressionado pela presidente, ou por algum vice-presidente, para escrever aquele email. Talvez. A partir do momento em que o escreveu, espero que tenha apresentado a sua demissão.
PS: Havendo o risco de se perder o acesso ao FT, deixo aqui o artigo na íntegra:
Last week I received an email from Henry Gomez, head of marketing and communications at Hewlett Packard Enterprise, objecting to a column I’d written the previous week. In it I’d repeated the advice his boss, Meg Whitman, gave to an audience at Davos — “You can always go faster than you think you can” — and pointed out that no, you can’t. Sometimes, when you go faster you fall flat on your face.Ms Whitman’s lieutenant told me he was “disappointed” by what I’d written, including a “snide” dig at her predecessor’s purchase of Autonomy. He assured me I’d “mischaracterised” the remarks of his boss, who was the “leader of one of the world’s largest IT companies”, and had a “well-founded perspective” on change management. Then, in case such avowals of her importance failed to carry the day, he wound up with a threat: “FT management should consider the impact of unacceptable biases on its relationships with advertisers.”
Then, after the invention of PR, the shouting stopped. If you offended a captain of industry, a flunkey would invite you over to a lavish lunch with him so that he could tell you how marvellous he was. In the space of a decade I ate many penitential lunches and breakfasts, involving so much smiling through gritted teeth, it left me almost nostalgic for a good old fashioned bollocking.
Yet even those grim meals are in the past. The most popular way of dealing with tiresome journalists or with conflict of any sort is silence. Business has gone entirely passive aggressive.
In that spirit, I sat down to compose a reply to Mr Gomez. “Dear Henry,” I wrote. “Thank you for your message, which I’ve read and noted.”
I looked at what I’d written, deleted “and noted” and typed “with interest” instead. I signed off “Yours sincerely, Lucy Kellaway” and pressed send.
Yet as I did so, a wave of sadness came over me. The outlawing of overt conflict at work and the replacing of it with silence and passive aggression is not a good thing. Sometimes it makes sense not to escalate. Other times it doesn’t. The cost of all this withholding can make one feel leaden with grudges, silted up with all the grievances that are never spoken.
So with this column I am retracting my first answer to Mr Gomez, and going for the liberating, aggressive version instead. He was aggressive to me. I’m returning the favour.
More than that, I’m choosing to have this fight in public, not only because I suspect readers are so starved of overt conflict in their own working lives they’ll enjoy witnessing a punch-up. The more important reason is that this is something I mind about — it matters. My considered response goes like this:
Dear Henry,
I want to apologise for the disingenuousness of my last email. I don’t thank you for your message, which I found — to borrow your word — disappointing.
You say the FT management should think about “unacceptable biases” and its relationship with its advertisers. My piece was not biased and I fear you misunderstand our business model. It is my editors’ steadfast refusal to consider the impact of stories on advertisers that makes us the decent newspaper we are. It is why I want to go on working here. It is why the FT goes on paying me.
Secondly, you seem to think your boss must be right because she runs a big company and knows about restructuring. In my experience people in big jobs occasionally say things that are a bit off. Then not only is it my job as a columnist to point it out, but yours too, as a member of her top team.
Three, I see you are in charge of both marketing and communications. The latter role means you have to help your company look good in the eyes of the media and the world. Your email fails to do that.
And most troubling of all, as head of marketing, you are likely to have an interest in ensuring that the company’s advertising message reaches the right audience. Assuming the decision to advertise in the FT was right in the first place, it would seem crazy — and not in shareholders’ best interests — to change course based on pique.
It is, of course, possible that you aren’t to blame for any of this, and the order came from on high. I want to think well of Ms Whitman. I adore eBay, which she made great. She may have said something daft at Davos — and, as I pointed out in my column, she was in very good company there — so I don’t want to believe she told you to write to me. Please tell me it isn’t so.
Best wishes
Lucy
lucy.kellaway@ft.com
Twitter: @lucykellaway
Foi notícia esta segunda-feira a exigência nas redes sociais e caixas de comentários por parte de vários fãs de Tony Carreira da demissão do Embaixador português em França.
Motivo (para quem viva em Alfa Centauro e não saiba ainda o que se passou)?
O segundo recusou que a entrega ao cantor da condecoração de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras de França fosse realizada na Embaixada portuguesa em Paris, como era desejo do primeiro. Não podemos evidentemente levar a sério a indignação dos fãs de Tony Carreira nas redes sociais exigindo a cabeça do Embaixador Moraes Cabral.
Mas - pelo menos neste blogue que foi criado com propósitos pedagógicos - não só podemos como devemos recomendar ao senhor Embaixador que melhore substancialmente a sua comunicação, se pretender que situações como esta não voltem a repetir-se.
Como pode ele fazê-lo? De forma simples; Em primeiro lugar deverá ser atempada e correctamente informado sobre a atribuição das condecorações e quem são os envolvidos. Terá, assim, a oportunidade de emitir uma nota oficial em tempo útil, congratulando os artistas ou autores em nome de Portugal.
Em segundo lugar, deverá ser bastante mais factual e menos nonchalant nas suas declarações à comunicação social. Dizer como disse que “Seria um bocadinho estranho que uma condecoração francesa fosse imposta na embaixada de Portugal" não foi uma resposta adequada.
Já explicar de forma clara que o protocolo estabelece que actos oficiais de um Estado (neste caso a atribuição do grau de Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres, mas podia ser outro) devem ter lugar em solo desse mesmo Estado (e não em solo de outro como seria o caso da nossa Embaixada) teria sido superiormente útil.
Mais ainda, deveria explicar também os precedentes, caso os haja, devidamente enquadrados. Em 2011, por exemplo, tanto a actriz Leonor Silveira como a cantora Mísia receberam a mesma condecoração que Tony Carreira mas na Embaixada de França em Lisboa. Logo, em território francês.
Finalmente, o senhor Embaixador terá tudo a beneficiar se entender a componente emocional de toda esta história e aplicar essa lição em casos futuros. Não podendo atribuir a condecoração na Embaixada, nada o impedia de organizar em data oportuna uma recepção oficial para o cantor e convidados, cumprindo assim o justificado desejo de Tony Carreira de associar a condecoração ao seu país de origem.
Em suma, unindo uma boa preparação das matérias e uma mensagem clara e eficaz a um objectivo frutuoso para todas as partes envolvidas, talvez o senhor Embaixador possa obter resultados bem mais, digamos, diplomáticos. Pelo menos, é o que lhe desejo.
*Consultor de Comunicação
Em julho passado, escrevi aqui sobre a iniciativa da Livraria Lello passar a cobrar entradas aos turistas, podendo esse valor ser descontado na aquisição de livros.
Era a resposta a uma tendência cada vez mais negativa para o comércio de rua, o "showrooming".
Pois volvidos menos de seis meses, a Lello parece ter ganho com esta opção: segundo o seu administrador, "aumentou em quase 300% a venda de livros diária nos últimos seis meses, apesar de receber menos visitantes."
Ganhou em volume de negócios e reduziu a confusão incompatível com o ambiente que uma livraria, sobretudo aquela, requer.
Duplos parabéns à Lello, que completa hoje 110 anos.
Fica aqui uma imagem dos seus primeiros e solenes dias ( Fotografia de Aurélio Paz dos Reis, 1906)
À hora a que escrevo este post (fim do dia 21 de dezembro, dia seguinte ao anúncio da venda/resolução/desgraça do Banif), verifiquei que prossegue alegremente uma campanha institucional do banco em pelo menos todos os canais de informação da televisão e na rádio TSF.
O slogan da campanha é a assinatura do banco: "A força de acreditar". Perante uma população incrédula com o presente de natal envenenado que recebeu, esta campanha soa, no mínimo, a estranho, e, no máximo, a provocação. Provocação pela própria mensagem e, em simultâneo, pela inevitável sensação legítima de qualquer contribuinte de "dinheiro deitado à rua".
Não se entende como não foi suspensa esta campanha. O argumento que "já está paga" (ou melhor, já foi contratualizada) não faz qualquer sentido em gestão de marketing. Uma regra básica na gestão de comunicação de crise é a absolutamente necessária reavaliação de todas as campanhas e mensagens de marketing que estavam programadas, revê-las e suspendê-las se forem contrárias aos objectivos que presidiram a essa campanha e essas mensagens.
Penso que estamos claramente numa situação em que a gestão da marca - que está intimamente ligada à gestão do banco - deve estar alerta e em plenas funções.
Será que estão de férias? Ou já fugiram todos?
PS: se houver espaço já contratado e impossível de cancelar, porque não dá-lo a uma IPSS? Aqui está uma boa ideia e tão adequada à quadra natalícia. (uma sugestão de @pitchauba no twitter)
ADENDA: Sobre este assunto, recebi informação da Nova Expressão, a agência de meios do Banif. A agência recebeu instruções do banco ontem, segunda-feira, ao início da manhã, para que todas as inserções fossem de imediarto canceladas. Fonte da NE esclarece que, por razões técnicas que se prendem com automatismos de programação, algumas ordens de cancelamento demoram mais tempo a efectivar-se em rádio e em televisão.
Comunicação é a arte de traduzir conceitos, ideias - e até ideais - em mensagens simples, inspiradoras e compreensíveis que conduzam à adesão a essas ideias.
A comunicação política não difere, neste objectivo, da comunicação publicitária. Apenas utiliza modelos, argumentários e slogans diferentes.
A preocupação do PS em apresentar um modelo de credibilidade na área económica levou o partido a um dificílimo exercício de comunicação. Com uma equipa técnica reconhecida, apresentou, de forma inédita e inovadora, um programa político baseado num modelo macroeconómico. Este modelo era suposto trazer transparência para o debate e as estimativas dele derivadas serem mais do que simples wishful thinking.
Resultou deste modelo a apresentação de números para diversas dimensões da economia, como o défice público, o PIB ou o emprego. Os números não são "achismos", resultam de cenários e políticas credíveis.
Excelente abordagem, não?
Sim como trabalho político, não para uma campanha eleitoral. Logo no dia da apresentação dos números, o PS teve de vir esclarecer que não estava a prometer 207 mil empregos, mas apenas a apresentar estimativas. A postura é séria, mas a necessidade de esclarecimentos matou a mensagem.
É utópico pensar que os media - e os eleitores - sejam capazes, em plena campanha eleitoral, de distinguir entre previsão e promessa. A longa explicação a que o secretário geral se viu obrigado a dar, pese a sua seriedade, é a antítese da eficácia política.
Vejamos esta citação lida na RR: "O secretário-geral socialista disse que no programa macroeconómico do partido há uma série de políticas a seguir e que "são promessas". Depois, há resultados dessas políticas que levam a previsões. E a criação de emprego não é uma promessa, é uma previsão." No mínimo, é confuso.
Em linguagem política, se há medidas prometidas, o resultado dessas medidas é lido como uma promessa. Não há volta a dar.
Quando um fabricante de cremes de beleza me diz que o seu creme me atenua as rugas, eu quero - e leio - essa mensagem como uma promessa. É verdade que até hoje nenhum creme me tirou rugas - tenho cada vez mais - mas compro sempre cada embalagem com uma promessa lá dentro, não com uma previsão.
Portanto, só há dois caminhos possíveis: fazer como a coligação e avançar com programas sem se sentir obrigado a explicar nada a ninguém ou assumir que se acredita naquilo que se vai fazer e conseguir. Haverá sempre tempo para explicar mudanças de rota ou de previsões.
Este não é o momento do excel. É o momento coca-cola.
Novo cartaz do PS, nova polémica. Desta vez, uma senhora de meia-idade afirma estar desempregada há 5 anos e não receber qualquer apoio ou subsídio. Uma realidade que toca a muita gente, um bom tema de campanha eleitoral.
Qual é então o problema? O problema - para um cartaz socialista, entenda-se - é o facto de há 5 anos estar no poder um governo socialista. A confusão instala-se nos espíritos, a dissonância cognitiva dispara. Por que raio estará o PS a envolver um governo PS na mensagem? Não chegam os 4 anos de governo de coligação para passar a mensagem pretendida? Não seria mais eficaz?
procurei resposta a esta aparente má ideia e encontrei-a no twitter de um jovem dirigente socialista. Aparentemente, a história completa da senhora é que ficou desempregada há 5 anos e há dois anos que perdeu o subsídio. Ou seja, perdeu o emprego num governo socialista mas tinha apoios e o governo de coligação não só não lhe arranjou emprego desde então como lhe retirou todos os apoios.
Convenhamos que, mesmo depois de entender o cartaz, é uma narrativa complicada. Num cartaz com limitações de espaço e de leitura, é uma narrativa truncada e desastrosa.
Compreendo a estratégia de storytelling por que o PS optou. É um tema aliás caro a Edson Athayde, ainda há menos de dois meses fui ouvi-lo numa palestra - brilhante - sobre storytelling. As mensagens passam melhor e são melhor entendidas e adoptadas através duma história.
Mas o meio também é a mensagem. E no medium cartaz é difícil contar uma história com tantos e subtis detalhes. Se preciso de outra legenda para entender uma legenda, perco eficácia e posso até gerar muita confusão.
No caso, a confusão instalou-se em todos os quadrantes políticos. Uns ficaram boquiabertos, outros ficaram de sorriso rasgado.
Um cartaz faz uma campanha? Não. Perdem-se eleições por causa de um cartaz? Não.
Mas perde-se tempo e o tempo já é curto e agora metem-se as férias e tal. As minhas começam amanhã, aleluia.
Fiz uma piada no twitter a propósito da nova identidade dos CTT. Teve algum êxito e gerou até alguns comentários depreciativos. Bom, foi sobretudo um momento de descontracção típico das redes sociais.
O post era na realidade mais destinado aos profissionais da imagem e do design que ao cidadão comum. A verdadeira mensagem por detrás do meu tweet é que, na maioria das vezes, o que parece um trabalho simples, quase invisível, tem centenas de horas de trabalho. Trabalho interno, que vai desde a identificação do melhor caminho a seguir até à concretização, que tantas vezes fica longe das primeiras ideias. E há a sensível relação com o cliente, as reunões de brief, debrief, rebrief e redebrief.
O caso concreto do restyling do logotipo dos CTT é um caso ingrato de percepção pelo público. Não conheço o processo em concreto, mas o exercício de alterar quase imperceptivelmente uma imagem e, ao mesmo tempo, conferir-lhe mais modernidade e dinamismo, é um exercício difícil e delicado.
Explicá-lo é um outro tanto.
PS: Obrigada à @AnaMarcela pelo artigo e pela imagem comparativa.
Cargo:Direcção do departamento de Propaganda e Agitação do Partido dos Trabalhadores
Job description: "auxiliar e consolidar o poder de Kim Jong-un" e implementar "projetos de idolatria"
Nem António Ferro se lembraria desta.
Foi hoje noticiado que a livraria Lello vai cobrar entradas aos quatro milhares de turistas que diariamente invadem o espaço, não para comprar livros mas para tirar fotografias (e imagino que milhares de selfies com as obras completas de Camilo em fundo).
Segundo o Observador, a ideia é cobrar 3 euros a cada turista, valor que será descontado se fizer uma compra.
Esta é uma ideia inteligente e, sobretudo, uma medida justa. Se um espaço é visitado como uma atracção turística, porque havemos de pagar 15 euros para visitar uma casa morta como La Pedrera e nao 3 para visitar uma das mais belas livrarias vivas do mundo?
Esta questão da Lello leva-me a um tema hoje muito discutido no comércio retalhista: o "showrooming". Cada vez mais pessoas praticam o chamado "mau" ROBO, isto é "Research Offline and Buy Online". O consumidor, que é inteligente, vai ver e experimentar produtos nas lojas e depois comprá-los em sites com melhores preços, como por exemplo na Amazon. As lojas físicas passam a ser meros showrooms, com atendimento personalizado e vendas nulas.
Muitas lojas nos Estados Unidos já cobram o chamado "fitting fee" para os clientes entrarem e experimentarem, sendo depois descontado se for feita a compra.
A livraria Lello pode estar a dar o primeiro passo numa tendência que vamos ver crescer.
"Juncker recebeu Tsipras com duas palmadinhas na cara". Ouvido na TSF, jornal do meio dia.
Os adultos gostam de provocar.
Dominique Strauss-Kahn parece estar definitivamente de volta às lides políticas.
A conta criada há uma hora no twitter será a prova mais evidente que quer ser seguido e ouvido. Numa hora e com um único tweet, juntou quase 5 mil seguidores numa plataforma ideal para comunicação política.
Foi absolvido, há dias, das acusações de ser o principal beneficiário e instigador de festas com prostitutas, num caso jurídico com contornos pouco claros e que, tudo fazia crer, o afastaria definitivamente da vida pública.
O caso arrasou (definitivamente?) as suas pretensões à presidência da república francesa, mas DSK retomou a actividade de conselheiro económico de governos. Depois da Rússia, fala-se de ajudar o governo de Cuba.
Há gente assim, difícil de eliminar.
O afã legislativo típico de final de legislatura, passe a redundãncia, encontra sempre mérito em grupos de interesse visados nessa legislação in extremis.
É o caso do decreto-lei que vai regulamentar a actividade de Lobbying em Portugal. O reconhecimento de uma actividade profissional que defende interesses legítimos junto dos centros de decisão é um sonho antigo de alguns, como Joaquim Martins Lampreia, justamente reconhecido como "O" Lóbista Português e que incansavelmente tem lutado pela causa. É uma ambição de muitos outros que o têm acompanhado, onde me incluo no modesto papel de seguidora, e vários outros colegas do sector da Comunicação e das Public Affairs.
O XIX Governo Constitucional vai, para todos os efeitos, ficar com os louros de ter, finalmente, arrancado com o processo. Se ficássemos à espera de uma iniciativa parlamentar, apesar de gentis manifestações, teríamos de arranjar um banquinho.
Passará então a haver um registo obrigatório e gratuito para quem pretenda exercer a actividade junto do governo e Administração Pública. Fica tudo registado, reuniões, troca de correspondência, clientes, etc.
É claro que foi imediatamente apontada a lacuna mais evidente desta iniciativa: os deputados estão fora deste registo. Isto é, aqueles que deputam de manhã e consultam à tarde continuam a fazer concorrência desleal a quem trabalha em transparência. Mas para isto, existe uma solução muito simples: implementar o regime de dedicação exclusiva dos deputados. Isso é que falta fazer, tendo em conta que na actual legislatura, 117 dos 230 deputados optaram pelo regime de acumulação.
Até lá, vamos continuando a ter os lóbis do costume, mas agora com lóbinhos mais organizados e ambiciosos.
Fonte: Associação Transparência e Integridade
O ministro grego Varoufakis viveu um pesadelo nas redes sociais ao aceder a posar para uma foto-reportagem na Paris-Match, hoje transformada numa newsmagazine cor-de-rosa para grandes personalidades.
Varoufakis cometeu o erro imperdoável de ceder, não a uma tentação, mas muito provavelmente ao conselho de um especialista em comunicação.
É hoje consensual que os políticos ganham, em geral, vantagem em revelar o seu lado humano, os seus interesses pessoais, o seu ambiente familiar, a sua actividade fora da política. Quem segue "Os Influentes", na RTP2, viu ambos os conselheiros dos candidatos presidenciais (de direita) sugerirem uma reportagem sobre a vida pessoal.
A diferença é que na série, por razões diferentes, os candidatos recusaram. E também, provavelmente, Simon Kapita não teria aconselhado Varoufakis a posar para a Paris Match. Varoufakis, ingenuamente, talvez tenha acreditado que a sua imagem de homem bem casado, amante da dieta mediterrânica e dos livros, daria a faceta humana - e mundana - que completaria a sua imagem de economista e político "radical". Quem lesse a entrevista, encontraria conteúdos interessantes sobre a sua forma de estar, sobre a sua visão do mundo. Mas, como é evidente, estas entrevistas não são para ser lidas.
Varoufakis cometeu um pecado mortal para qualquer político de esquerda, e não tem relação directa com a crise grega. Um político de esquerda, em qualquer parte do mundo, não pode ter gosto pela vida, não pode comer peixe grelhado, não pode beber vinho branco, não pode ter casa com vista.
E sobretudo, não pode ter uma mulher loira.
(Excerto de artigo do Expresso, aqui)
Este é um artigo extraordinário para os profissionais de comunicação. Um simples parágrafo está carregado de paradigmas do estado da comunicação.
Acompanhem-me:
- Marinho Pinto, recém-eleito deputado europeu, é contactado "sucessivamente" por quatro jornalistas, dos quais três, segundo ele, trabalhadores activos em orgãos de comunicação social portugueses
- O que querem os jornalistas? A primeira entrevista ao neófito deputado em Bruxelas? Não, querem "fazer" a comunicação do deputado em Lisboa.
- Razão? A "má imprensa" do personagem. Deduz-se que aqueles jornalistas iriam fazer "boa imprensa" pelas suas próprias penas ou conseguir "boa imprensa" de colegas seus jornalistas.
- Como reagiu Marinho? Recusando o trabalho de jornalistas para fazer a sua comunicação, alegando que os profissionais de comunicação (ele chama-lhes comunicadores) estão "ao serviço de interesses hostis aos valores éticos do jornalismo".
Podemos concluir que Marinho Pinto, ao não contratar jornalistas para "fazer" a sua comunicação, livrou os jornalistas de se tornarem comunicadores "ao serviço de interesses hostis aos valores éticos do jornalismo".
Isto em tudo se aparenta a um silogismo, mas de silogismos está o inferno cheio.
O "Caso SS" que caiu como um raio na cabeça do primeiro-ministro traz-nos um exercício interessante de argumentação política, comunicação de gestão de crise e os seus limites.
Perante uma evidência - porque confirmada pelo próprio - de incumprimento fiscal, ofereceram-se vários argumentos possíveis.
Começou-se pela argumentação racional, que contou com a presta colaboração do ministro da Segurança Social: foi um erro dos serviços, não notificaram.
Procurou-se juntar a esta explicação racional uma dimensão moral: não sabia que devia mas quando soube pagou.
Mas esta está a ser uma crise difícil de debelar, porque estamos no âmbito de um tema que convoca as mais profundas revoltas dos contribuintes, os malditos impostos. No caso concreto da Segurança Social, são milhares de portugueses a recibos verdes que conhecem - e odeiam - demasiado bem a lei.
O último argumentário, o de hoje, parece ser o último cartucho: o homem normal, imperfeito como todos os humanos. ""Não sou um cidadão perfeito, tenho as minhas imperfeições". Parecia à partida uma boa ideia. Passos sempre cultivou a imagem de um homem comum, com férias comuns, com casa em periferia comum. Como não perdoar a um homem comum pequenas imperfeições? Quem nunca tentou fugir aos impostos?
Como disse, parecia uma boa ideia. Mas um líder político com responsabilidades, e implacável apregoador das responsabilidades e deveres de todos os portugueses, jamais poderia usar esta última cartada. Em vez de um pedido de desculpas, tentou atrair a seu favor o pior que temos como cidadãos. Este não é um argumento mobilizador, muito menos uma mensagem política.
O que quer que venha a acontecer, não pode haver outro lance depois deste. Les jeux sont faits.
Diz-se que o "caso Sócrates" tem rompido com todos os cânones dos casos judiciais portugueses, ao introduzirem-se no espaço público novas formas de comunicação do lado da defesa.
O preso preventivo escreve cartas e usa direitos de resposta, o advogado tem alimentado parangonas à porta dos tribunais e da prisão. A comunicação do caso "em on", como caracterizou, e bem, o director do Expresso, abriu novas fronteiras na cobertura mediática. Deixou-se de ter apenas as "notícias" em off da investigação, a defesa começou a ser notícia com fonte identificada.
O Expresso assumiu-se, desde a primeira hora, como actor principal nesta nova arena. O jornal passou a fazer parte também das notícias do caso, com a descrição da sua feitura.
Como jornal influente, e cioso de que o mundo perceba a sua influência, o Expresso começou por informar o mundo que tinha recebido telefonema de Sócrates a partir de Évora disponibilizando-se para conceder uma entrevista pedida pelo jornal. Ficamos então a saber, na primeira página do jornal, que um entrevistado ligou directamente a um jornalista (no caso, Bernardo Ferrão), às 17:40, para dar o OK à entrevista. A notícia sobre a preparação da notícia, com os actores envolvidos e os meios de comunicarem entre eles. Inédito.
Hoje, o Expresso prossegue no caminho do "nunca antes visto" e publica "81 perguntas" que naturalmente passaram a ser perguntas retóricas. Digamos que é uma comunicação em on mas com o de onanístico.
O direito de um entrevistado não responder a determinadas perguntas, porque não sabe ou porque não quer, está geralmente salvaguardado por todo um processo de edição que é parte integrante de um trabalho jornalístico (sim, tambem me estou a recordar da entrevista de Clara Ferreira Alves).
A publicação a priori das perguntas contém em si mesma a inviabilidade de um acto que requer boa fé e conforto entre as partes para a realização de uma entrevista.
Estamos num novo patamar da "comunicação em on": os auto-leaks dos média.
Abri aqui no blog o debate sobre a nova identidade do Porto. Depois do "prós" do Pedro Figueiredo, Joaquim enviou os seus argumentos "contra". Dois excelentes textos e muita matéria para pensar quando se mexe numa marca-cidade. Obrigada aos dois.
Ao contrário do Pedro, que veio para a Invicta estudar, eu nasci e cresci no Porto. Sou aquilo que agora se chama um local e talvez por isso tenha com a cidade uma exigência maior do que aqueles que só agora acabam de chegar.
É certo que sou uma espécie de “estrangeirado”. Vivi muitos anos fora, mas sem nunca perder o contacto com a cidade. É no Porto que tenho a minha origem, os meus amigos de infância, a minha família, e foi no Porto que vivi e trabalhei nos últimos três anos.
Não sou por isso um estranho na minha própria terra e acho mesmo que o facto de viver noutras paragens me deu o distanciamento necessário para fazer uma análise que se quer clara e objectiva.
Mas não foi para falar de mim e da minha relação com a cidade que aceitei este desafio. O que aqui me traz é a recentemente apresentada marca “Porto.”, pomposamente apelidada de identidade visual por trazer agregada a si uns quantos elementos gráficos que podiam ser do Porto como de outra cidade qualquer.
Assim, mesmo tendo a noção que não é fácil, vou evitar todas as observações, vivências e experiências subjectivas que tive e tenho com a cidade. Dizer que há vários Portos e que cada habitante (ou visitante) tem o seu é apenas uma “lapalissada” que não acrescenta nada à discussão. De resto, isso é tão verdade para o Porto como para outra cidade qualquer.
Aquilo que irei apresentar nas próximas linhas é, portanto, a minha perspetiva sobre a nova marca e identidade da cidade. Nada direi sobre “o meu Porto” ou sobre o “Porto dos outros”. Em consideração tive o racional criativo apresentado em http://www.behance.net/gallery/20315389/Porto, cuja leitura recomendo, e este é o meu ponto: a nova identidade visual é apenas uma má materialização de um conjunto de boas ideias.
Para perceberem melhor aquilo que digo, convido o leitor a fazer um exercício. Comecemos por aquilo que supostamente era pretendido e bem: “Essa cidade nunca poderia ser uma entidade vazia, ou uma mera localização geográfica, limitada por barreiras físicas. Está cheia de vida, de carácter, de ícones e símbolos, de costumes e modos de viver, com lugares emblemáticos, paisagens e um horizonte muito particular. Não pode ser resumida num ou dois edifícios. Está viva, e a sua identidade não poderia ser fixa ou fechada. Precisava de respirar e crescer diariamente.”
Convido agora o leitor a olhar para a imagem acima. O que é que vemos? Vemos o nome de uma cidade fechado sobre si mesmo, isolado, onde tudo que é vivo ou (supostamente) tem vida acontece à sua volta. Vemos uma cidade finalizada por um ponto (é por isso que se chama final), impedida da progredir e limitada por um rectângulo que a isola do resto do mundo. Uma cidade fria, graficamente encaixotada, sem alma e sem expressão, incapaz de transmitir qualquer sentimento.
Ao contrário do que afirma o racional criativo, a nova identidade é a representação de uma cidade sem vida, fixa, fechada, impedida de respirar e crescer. Exactamente o oposto do pretendido e não é preciso ter um curso de semiótica para facilmente perceber isso.
Para que possam entender onde quero chegar tomem como comparação a marca de duas cidades: Nova Iorque e Amsterdão.
Nos dois primeiros casos a relação afectiva com a cidade éevidente: a paixão, no primeiro caso; o sentimento de pertença, no evidente: a paixão, no primeiro caso; o sentimento de pertença, no segundo. Já no caso do “Porto.” essa relação afectiva pura e simplesmente não existe. E basta uns conhecimentos básicos de branding (daqueles para totós) para perceber que isso é um factor determinante no sucesso de uma marca. Mais: no caso do “Porto.” existe apenas uma má atitude: não há partilha, não há proximidade, não há qualquer tipo de pertença. Apenas isolamento, distanciamento e frieza, acentuados pelo caráter gélido do azul, opção monocromática que castra a vivacidade e alegria das gentes do Porto.
A opção cromática foi, aliás, outro erro: definir uma cidade pela cor é tão incorreto como definir uma pessoa pelo tom de pele. O Porto tem de ser de todas as cores. É isso que se espera de uma cidade que se pretende “global” e “para todos” como aqui se diz. E mesmo que a intenção não tenha sido essa, é difícil falar em cor sem que a conversa resvale para questões clubísticas que, sabemos todos, dividem a cidade. Chama-se a isto comprar uma guerra desnecessária.
Porém, se alguma cor deveria estar presente na nova identidade - e alguma haveria de estar - essa cor seria o cinzento. Do céu e do granito, que conferem à cidade um tom misterioso, sentido, sombrio, que tão bem a carateriza sem, contudo, a definir. Basta caminhar pelas suas ruas para perceber isso, não sendo necessário referir autores, músicas, ou mesmo as pinturas de António Cruz.
Depois temos toda a simplificação iconográfica que respeita mais a tendência das modas do design gráfico do que o património da cidade. No Porto nada é simples. Tudo é pesado, carregado, excessivo, sem que isso seja necessariamente mau. Muito pelo contrário. O Porto é sentido e tem profundidade. Carrega em si o idealismo dos românticos, o excesso do Barroco, a exuberância da talha dourada. Não perceber isto ou pretender representar o Porto em linhas simplificadas - mesmo tendo em conta os supostos objetivos comerciais - é faltar à verdade da cidade e da sua história.
Por fim, temos aquele ponto final que não representa nada senão a incapacidade ociosa de progredir, um truísmo, uma redundância tão característica do pensamento tautológico: “O Porto é o Porto. Ponto.” So what?, pergunto eu. É isto que vou dizer a todos aqueles que perguntarem pela minha cidade? - “Desculpa mas a minha cidade não se define. O Porto é o Porto. Ponto”. Nada disto faz sentido. Até porque, se há cidade onde as pessoas têm sempre alguma coisa a dizer, essa cidade é o Porto, o Porto dos tripeiros.
“E agora?”, perguntam os autores da nova identidade. Agora o Porto ganhou uma identidade que terá uma vida curta. Porquê? Porque dificilmente os portuenses se sentirão confortáveis ou familiarizados com ela. Será sempre a identidade de alguns quando a ideia era que fosse uma identidade partilhada por todos: falta-lhe unidade, sentimento, paixão, proximidade e, principalmente, sentimento de pertença. Esta marca não é nossa. Ponto. E isso ser-lhe-à fatal. Porque se há coisa em que os portuenses são exímios, é a rejeitar aquilo que não é deles. E esta identidade não lhes pertence. Nem a eles nem à cidade. Este é o meu ponto.
*publicitário e professor de filosofia desempregado
Tão certinho como o aumento de impostos, a exibição de uma folha A4 branca proporcionou mais um suculento episódio de memes, desta vez com o ministro da Economia.
Tudo começou com uma fotografia publicada nas plataformas online do Diário Económico.
Logo surgiu o serviço comunitário para preparar o terreno.
E em menos de quatro horas, o ministro teve direito a hashtag #piresdelima no twitter e a arquivo no tumblr.
Dezenas de imagens começaram a pulular nas redes sociais. E eu já tinha avisado sobre isto em maio passado, senhor ministro.
Numa conversa no twitter, fiquei entalada entre duas posições distintas sobre a nova identidade corporativa da cidade do Porto. Convidei os jovens debatedores a transporem as suas ideias aqui para o blog. Pedro Figueiredo abre as hostilidades. Joaquim ficou de dar a riposta. E eu sou a Fátima Campos Ferreira aqui do sítio.Nada de palmas, portanto. Ponto.
O meu Porto, por Pedro Figueiredo Cabral*
Não cresci no Porto, mas perto. Ser estudante nesta cidade, de capa e batina durante tanto tempo, fez-me conhecê-la numa perspectiva algo romantizada e, de certa forma, acredito que é assim que todos os tripeiros também se revêm: a cidade não é perfeita, mas é a nossa cidade e por mais defeitos que tenha, é a cidade mais bonita do mundo. Penso no Porto como uma cidade quase bipolar. Ser inquieto é desporto municipal e ninguém está totalmente bem, mas apesar disso age-se como se vivesse na plenitude de felicidade. Gosto de pensar que os cidadãos do Porto têm sempre uma visão mais positiva da vida do que comparados com os de outras cidades. Sim, os autocarros chegam sempre atrasados. “Mas hey, pelo menos há WiFi grátis para ir reclamar.” É como se a velha máxima da cidade, “Antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto” se tivesse ao longo do tempo entranhado na personalidade dos seus habitantes, que aprenderam a ser invictos na sua maneira de pensar e não deixam que nada os conquiste e deite abaixo.
O Porto também é bipolar por não ter simetria. Amantes da arquitectura de Barcelona ou New York provavelmente terão vómitos a pensar na organização dos arruamentos portuenses. As fachadas são todas diferentes umas das outras, as ruas não são paralelas e tanto se pisa calçada portuguesa como alcatrão. Mas ainda assim, a Casa da Música coexiste à sua maneira frente a frente com casas de arquitectura característica e antiga. O edifício da Vodafone faz torcer o nariz por parecer desenhado por um recém-nascido ou faz bater palmas pela irreverência. No Porto, o velho convive com o novo e tudo isto cria uma dinâmica muito especial e única. O Porto é uma cidade com tudo e para todos os gostos.
Com uma carga de várias personalidades tão diferentes concentradas no mesmo centro como esta, é óbvio que tentar criar uma identidade gráfica que lhe faça justiça é algo difícil e ingrato. O Porto não é representável facilmente nem por palavras nem por imagens, visto que nenhum texto ou fotografia alguma vez conseguirá captar toda a sua essência. Por que motivo alguma vez seria de aceitar que uma cidade assim conseguisse ter uma só imagem universalmente aceite que a representasse? A ideia de a conceber estava, portanto, a priori destinada ao fracasso. Mas, antes de continuarem a ler este texto, convido todos a lerem a explicação de todo o trabalho de desenvolvimento da nova identidade gráfica da cidade do Porto, pelas palavras dos próprios autores. Está disponível no link http://www.behance.net/gallery/20315389/Porto e é sem dúvida uma explicação completa, lógica e histórica de tudo o que levou a este resultado final. Depois disto, não resta nenhuma grande explicação sobre o trabalho em si, mas sim opiniões muito pessoais desta linguagem visual. E esta é a minha.
Há três grandes questões que têm sido apontadas este trabalho feito pelo White Studio. A simbologia em si, a cor e o “ponto”. Vou tentar explorar aqui o que penso sobre os três. Mas primeiro algo relevante: antes, o Porto não tinha uma identidade gráfica. A autarquia tinha apenas um conjunto de logotipos desconexos entre si, em que nada assumia uma perspectiva de comunicação integrada geral e transversal a todos as entidades que a constituem. Ou seja: havia uma necessidade básica de unir todas as diferentes partes constituintes da cidade sob a mesma linha de pensamento e aí representá-las de uma forma visual que fosse perceptível por todos.
O primeiro contacto que tive com a nova identidade foi ver o logotipo isolado da Câmara Municipal quando este foi publicado no facebook, sem antes ter lido textos, explicações ou ter conhecido o todo de que este elemento fazia parte. Achei horrível e que qualquer pessoa com um computador faria um “desenho” igual ou melhor. Achei impossível, uma brincadeira. Mas depois surgiu tudo o resto, e o que mais interessa é o resto. Já devia ter aprendido melhor com a vida no Porto que não se deve julgar apenas a parte, mas sim o todo. E aí sim, as coisas começaram a fazer sentido. As três últimas versões do logotipo da C.M. Porto são bastantes diferentes entre si, e até podemos argumentar que a anterior, verde, era melhor conseguida que a nova. Mas esse logotipo era apenas um logotipo. É a pertença a algo maior, uma identidade global, que dá ao novo logotipo da Câmara toda a relevância e a distingue das anteriores. Por si só, considero o logotipo fraco. Mas é a questão de ser parte de algo maior, de um conjunto de símbolos que falam a mesma língua e que querem representar elementos de um meio comum, que o torna tão importante.
Pequenas coisas simples e isoladas conjugam-se numa coisa bonita e complexa. Esta é a minha visão do que é a nova identidade gráfica do Porto, e considero que a mesma frase se adequa perfeitamente para descrever a cidade. Esta identidade, que apesar de simples é uma abordagem em linhas modernas, foi apresentada através de um painel de centenas de azulejos pintados à mão que ostenta os diversos símbolos ligados entre si, lado a lado, em harmonia. Isto é mais significativo do que parece. Tal como no exemplo da coexistência da Casa da Música com os edifícios antigos, aqui a antiguidade da pintura em azulejo convive com a modernidade da filosofia de design empregue.
A nova linguagem de identidade gráfica do Porto possui a capacidade de representar as mil-e-uma-caras da cidade, não só a nível de ícones individuais, mas também no resultante da conjugação infinitamente variável dos mesmos. Aliado à possibilidade de criar também novos ícones na mesma linguagem no futuro, o facto de não ser apenas um conjunto de imagens estáticas repetidas ao nível da exaustão visual, faz com que esta identidade tenha o essencial para que possa persistir durante muitos anos.
Quanto à cor, o Porto é azul. Não acredito que alguém lhe atribuísse o verde senão por ter sido assim decidido, caindo do céu. Surpreendeu-me saber um dia que a “cor do Porto” era verde. Para mim, se o Porto tivesse uma cor, seria o azul, talvez por influência de sempre ter associado a palavra “Porto” ao azul do FC Porto. Mas na verdade, o azul é uma cor predominante na cidade e desde sempre a acompanhou. O Metro do Porto e a STCP também já usavam o azul como sua cor. Os azulejos que decoram tantos monumentos de relevo internacional, como por exemplo S. Bento, uma das estações de comboios mais bonitas do mundo, são nos tons de azul utilizado nesta nova cor da cidade. Em suma, a equipa responsável por este trabalho deu agora oficialmente ao Porto a cor que este sempre utilizou.
O Porto não é lógico nem uniforme. Gosto muito do facto de que esta identidade reflita tal também. Com ela, não há uma forma única de se apresentar a cidade, mas sim um número infinito de combinações. Apesar dessas conjugações poderem gerar resultados bastantes diferentes, toda a gente sabe sobre o que dizem respeito. E não é este o objectivo de uma identidade? Tenho a certeza que no futuro vamos ver centenas de turistas a vestir “Porto, Ponto” e a internacionalizar esta marca que tão necessária era e que tanto potencial de variedade inspira na cidade e no seu turismo.
Um dos principais focos de crítica desta nova identidade gráfica é esse omnipresente ponto final no logotipo, que tantos acusam de transparecer arrogância e resistência à mudança. Percebo o que querem dizer com isso, mas não concordo. Vejo o ponto que acompanha a palavra Porto no logotipo da cidade como uma materialização politicamente correcta do já mítico “Porto, carago!”. É um traço de personalidade, uma característica da cidade e dos seus habitantes. Tal como em tantas outras situações, as coisas são simples mas as pessoas complicam-nas. O Porto não se quer definido, o Porto é o Porto e ponto final. Tal não é uma questão de arrogância, mas sim de auto-consciência e personalidade, numa cidade em que estes lhes são tão característicos.
Em tudo há prós e contras. A nova identidade do Porto foi uma jogada arriscada por todas as implicações que engloba, mas foi um passo extremamente necessário e, passadas algumas semanas, podemos concluir que foi bastante bem aceite por todos os que convivem com ela. Como todas, esta identidade tem prazo de validade. Nada dura para sempre, ainda para mais com algo que está presente em todos os cantos da cidade e é passível de cansar. Mas não acredito que essa validade seja de um mês ou um ano por todo o potencial de variação que possui. De louvar é também o facto de não ser um trabalho de design de custos milionários como muitas empreitadas online que o governo português pagou a peso de ouro: foi algo tão barato que nem necessitou de ajustar o orçamento da cidade, porque utilizou pequenas verbas já previstas. Até nisto se nota um processo que, se fosse noutra cidade seria de estranhar, mas por ser o Porto é apenas o que era esperado.
O Porto está agora apresentado visualmente. Antes, era um conceito abstracto apenas presente na mente das pessoas que o visitam. Hoje, tem uma representação simbólica que tenta ser um espelho da cidade. Esta identidade aproxima-se bastante da realidade, mas quando se trata do Porto, nunca nada será velho e novo, turístico e doméstico, moderno e antiquado como a própria cidade. Ponto.
* Estudante de Ciências da Comunicação na Universidade do Porto.
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