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O que está numa imagem? A história que quisermos contar. Uma imagem tem tantos significados quantos aqueles que lhe quisermos dar, e não está imune a interpretações diferentes da do próprio autor. Nos tempos que correm como ciclones, uma imagem torna-se em minutos um ícone, uma referência mundial, com o significado que os influenciadores do mainstream lhe dão e que as redes sociais tratam de globalizar.
Parece que a famosa "selfie" de Obama com Cameron e a primeira ministra da Dinamarca transcendeu o momento e a circunstância, ou melhor, foi transcendida pelo momento, pela circunstância e, sobretudo, por uma boa dose de "clichés" sobre louras predadoras e tensões matrimoniais.
O autor da fotografia, Roberto Schmidt, veio explicar esse momento no blog da AFP. "Capto a cena sem nenhum preconceito. À minha volta, no estádio do Soweto, os sul-africanos dançam, cantam e riem em honra do seu líder falecido. O ambiente é de festa, não de recolhimento mórbido. A ceremónia já dura há pelo menos duas horas, e ainda irá prolongar-se por mais duas horas. O ambiente é totalmente descontraído. Não vejo nada de chocante no que está no meu visor, seja ele ou não presidente dos Estados Unidos. Estamos em África".
O autor também explica que a cara fechada de Michelle Obama foi um mero acaso, ela também teve vários momentos de riso e boa disposição.
Não deixa de ser curioso que aqui seja o próprio fotógrafo a procurar justificar a sua imagem, a dar-lhe o enquadramento em que ela realmente se insere. Estamos cada vez mais habituados a ver trabalhos fotográficos premiados que se vêm a revelar montagens, ou pelo menos momentos que não representam exactamente circunstâncias reais, apenas pelo potencial premiável do chocante.
Aqui, é o fotógrafo que fica chocado com o alcance da sua fotografia.
Nestes tempos de "curadoria" e internet, não somos donos de nada. Nem do que produzimos nem do que consumimos.
*O título inicial era "Anatomia de um instagram". mas não quis corromper o título do magnífico livro de Javier Cercas.
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