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A propósito do cartaz do Ikea aqui comentado ontem e em que a marca foi alvo ora de aplausos ora de ataques, consoante a afinidade partidária (ou a sua falta), a Bárbara Reis do Público falou com 'criativos' de agências nacionais.
Reproduzo aqui uma parte do artigo:
Falei com três publicitários. Numa coisa, estão de acordo: a campanha já ganhou.
"Alguém que vê e sorri, está ganho. Alguém que vê, sorri e comenta, mais ganho está. Alguém que vê, sorri, comenta e partilha, é o ultimate", diz João Ribeiro,managing partner da Stream and Tough Guy (os publicitários, como os economistas, os gestores e outras profissões, adoram inglês).
"Conseguiram ser notícia, estão virais nas redes, têm partilhas, há ressonância com as pessoas, entrou no quotidiano. O risco compensa", diz Ribeiro. A campanha "não quer vender estantes, quer construir marca, criar good will" (eu avisei) "e conseguiu".
Porquê risco? "Nós gostamos de tudo", diz Ribeiro, "mas as empresas fogem de religião, política, sexo e guerra".
De todas estas entusiastas declarações, retiro uma ideia essencial: a publicidade e as relações públicas são dois mundos diferentes e as novas métricas digitais vieram ampliar essa distância. Enquanto aqueles publicitários vibram com a 'viralidade' nas redes sociais, com os artigos na imprensa mainstream, com as partilhas e com o elevado 'retorno' da campanha em 'engagement' (desculpem, mas a minha área também adora o inglês), independentemente dos conteúdos dessas reacções, um profissional de relações públicas está preocupado com o impacto deste tipo de iniciativa na reputação da marca, na imagem que produz nos seus diferentes stakeholders, e onde se incluem não só os consumidores mas os seus trabalhadores, os seus fornecedores e até as instituições que neste caso são aqui visadas. ("as empresas fogem de religião, política, sexo e guerra", porque será?)
Depois temos um outro problema (provavelmente é um problema só meu), relacionado com um tema importante e interessante e que os americanos designam por 'corporate activism' e que, aparentemente, é confundido com o 'ativismo político' a que me referi ontem. Recorrendo de novo às declarações obtidas por Bárbara Reis:
Miguel Barros, CEO da Havas Creative em Portugal, é dos publicitários que gostam de ver marcas a tomar partido por causas. "Há sempre alguém que diz 'isto é política, as marcas não se devem meter', mas eu gosto de ver que a marca tem cabeça, que pensa, que faz julgamentos, que toma partido. Consigo imaginar uma marca a dizer: 'Não gostamos de Donald Trump' ou 'Somos a favor do direito ao aborto'. Gosto de marcas com atitude."
Aparentemente, Miguel Barros vai buscar a referida ideia de 'ativismo corporativo' e cita-o no contexto do famigerado outdoor. Ora, ativismo corporativo não é fazer piadas de oportunidade num outdoor. É um tema mais sério, e tem a ver com a tomada de posição das empresas sobre temas sociais, ambientais - e eventualmente políticos, mas não partidários e muito menos em contexto eleitoral. Falar daquela peça de publicidade como 'marketing de causas' é, convenhamos, esticar o conceito.
Em resumo, isto é um desabafo, se calhar uma leitura muito pessoal do que deve ser a comunicação das empresas e das marcas, mas por favor, um pouco mais de rigor nos conceitos. E pensar mais seriamente na responsabilidade social das marcas, o que elas querem aportar à sociedade. Será que 'campanhas virais', 'notícias' de infotainment na imprensa jornalística, geradas por marcas com uma reputação estabelecida como a Ikea, trazem valor? Tenho dúvidas.
Foram hoje partilhadas nas redes sociais imagens de outdoors do Ikea que remetem, numa primeira leitura, para o chamado 'marketing de oportunidade com dimensão humorística'. Estas campanhas fazem as delícias de miudos e graúdos, os criativos vibram, os consumidores adoram. Pessoalmente, sou grande entusiasta deste tipo de criatividade.
A Ikea usa a temática eleitoral para partilhar mensagens benignas e divertidas e com as quais os consumidores se conseguem relacionar de forma imediata: geringonça, coligação, inflação...
Eu disse benignos? Talvez não todos. Quiçá levados pelo entusiasmo, os criativos (e os clientes que aprovaram) entraram num terreno um pouco mais movediço, no campo judicial-partidário, com a estante Kallak a relacionar-se com a operação Influencer. Nada surpreendente que tenha gerado leituras político-partidárias:
Embora a Ikea tenha garantido, em comunicado, que nunca teve "qualquer intenção ou propósito de contribuir, seja de que forma for, para o debate partidário e para o atual contexto pré-eleitoral que se vive no país", a verdade é que contribuiu. O humor na comunicação de marcas é um terreno escorregadio.
Adenda: na febre criativa, a concorrência espicaçou-se e entrou no jogo ...
(imagens gentilmente roubadas de tweets de @manjos, @joaovillalobos e @glevycordeiro).
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