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Em "Como Perder Uma Eleição" (Luis Paixão Martins, 2023, Livros Zigurate), o autor começa com uma falsa modéstia: "Publicar um livro em que um operacional procura teorizar as práticas das campanhas políticas é como projectar um resultado eleitoral depois de conhecido o escrutínio dos votos." (p.11). Falsa porque na realidade o livro trata daquilo que na academia se designa por grounded theory ou teoria fundamentada. LPM foi recolhendo dados de situações reais de três campanhas eleitorais em que participou (e ganhou), interpretou-os e criou uma teoria geral da comunicação eleitoral.
Este livro propõe assim um conjunto de conceitos úteis aos profissionais de comunicação e a todos os actores envolvidos em campanhas. Esses conceitos são depois transformados em conselhos, habilmente apresentados como uma lista de "8 erros a evitar", uma forma moderna e eficaz de captar a atenção e a leitura.
Os erros, a saber, são: 1) Fazer uma campanha dirigida às bases de apoio consolidadas; 2) Usar as sondagens como resutados eleitorais 3) Divergir da bolha mediática; 4) Encarar os debates como combates de boxe; 5) Agendar episódios e incidentes, 6) Convocar activos tóxicos; 7) Querer agradar a todos; 8) Querer mudar o mundo em dois meses de campanha. Aos leitores de descobrir os fundamentos, bem explicados e documentados, destes mandamentos.
Apesar da simplicidade aparente desta teoria e dos seus postulados, uma campanha eleitoral é na prática um programa de comunicação ultracondensado no tempo, nas acções, nas reacções e cujo outcome é cruelmente binário: ou ganhámos ou perdemos. Ao longo do livro são-nos oferecidos muitos casos e referências que confirmam que a comunicação eleitoral consiste em 20 por cento de inspiração e 80 por cento de falta de ar.
Desenganem-se os que esperam um manual de automotivação para spin doctors. LPM partilha uma visão altamente pragmática e desapaixonada do papel do conselho em comunicação, onde perpassa alguma desilusão com o actual ambiente mediático. Numa aparente relação de trocas e influências mútuas, uma campanha eleitoral é hoje "um combate sem descanso entre o objectivo da candidatura de promover a sua narrativa e o propósito jornalístico de provocar ou explorar o erro, o conflito, o incidente." (p.124).
De facto, o exercício profissional da comunicação e das relações públicas desenvolve-se hoje naquilo que chamamos a crise constante. Se na comunicação política é por demais evidente o confronto permanente - para o qual LPM advoga o uso criativo de "palavras competitivas", nas outras dimensões da comunicação também pairam constantemente o espectro das crises, nomeadamente "as crises nas redes sociais". Penso que o tema da crise permanente, da turbulência e da disrupção como "o novo normal" da comunicação justificaria um novo manual.
Um outro aviso a uma navegação eventualmente mais orientada para o mundo maravilhoso da comunicação digital: a análise de LPM centra-se no sistema mediático profissional e pouco relevo é dado às campanhas nas redes sociais. Afirma o autor que, para atingir outros eleitores para além da base de fãs, "a principal plataforma comunicacional continua a ser o sistema mediático." (p.83). O argumento é, mais uma vez, o facto que, salvo raras excepções - os trolls, os concorrentes e os jornalistas (palavras minhas)- os públicos nas redes sociais são essencialmente os militantes e fãs do partido. Por outro lado, vários estudos referem que as pessoas continuam a receber informação política essencialmente através da comunicação social e em particular da televisão. Nesse aspecto, não se evoluiu muito em termos de premissas de marketing político desde o mítico debate televisivo Kennedy-Nixon em 1960.
Ao longo do livro, são muitas as referências a episódios históricos e gurus da comunicação política (sobretudo os americanos, o que por vezes distorce a percepção da realidade comunicacional europeia e portuguesa), e histórias das campanhas nacionais, algumas ferroadas divertidas e muita food for thought. Uma especial referência ao capítulo dedicado às sondagens, tema hoje em dia considerado polémico e uma indústria com problemas reputacionais, mas que, numa excelente demonstração do autor, reside antes de mais na sua (má) mediatização. Vale a pena ler com atenção este capítulo (p.53-78) embora suspeite que os jornalistas o vão ignorar olimpicamente.
Um reparo final e sugestão para as próximas reedições: falta um índice remissivo, muito útil para este tipo de publicação.
Em P.S. (post scriptum), deixo aqui algumas das minhas passagens favoritas:
As campanhas eleitorais têm por objectivo mobilizar os eleitores a irem votar. Não servem para os deprimir. Para isso temos os media. (p.130)
A campanha eleitoral é o pior local do mundo para se apresentar uma ideia boa. Porque depois de ter sido contestada, atacada e ridicularizada por todos os adversários mais os analistas e os comentadores, vão passá-lo a pente fino para detectar as armas de (auto) destruição maçica da nossa candidatura, Um bom programa eleitoral é, por isso, aquele que não nos traz novas dificuldades. (p.131)
A definição de informação vem sendo progressivamente alterada: o que conta, hoje em dia, é a sua potencialidade enquanto conteúdo capaz de gerar novas publicações, utilizações e partilhas. Isto é, a sua capacidade de entreter. (p.192)
O mundo mediático está cheio de fakes e de notícias sobre as fakes, muitas das quais são, elas próprias, fakes. As campanhas eleitorais não são excepção. (p.148)
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