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Nos Estados Unidos, terra do lobbying por excelência (e com características diferentes da representação de interesses profissional que se faz na Europa), os movimentos de lobistas não se fizeram esperar. Como em todos os países em estado de emergência, apenas podem funcionar as empresas designadas como prestadoras de bens e serviços essenciais. É pois um interesse legítimo procurar que determinado sector de actividade seja considerado essencial para as empresas poderem manter a sua operação. Estar ou não numa lista pode significar milhões de facturação e também de postos de trabalho.
A título de exemplo, e porque esta informação é pública, vejamos alguns dos interesses que têm sido representados junto das administrações do estado americano:
- O lóbi do imobiliário tentou convencer o governador de Nova Iorque (o agora famoso Andrew Cuomo) de que as pessoas poderiam ficar sem abrigo se o sector tiver de fechar (nomeadamente devido à impossibilidade de fazer visitas aos imóveis com os compradores).
- No Illinois, as empresas tentaram pressionar para que os serviços de manutenção de piscinas fossem reconhecidos como essenciais.
- Uma associação de campos de golfe distribuiu um argumentário aos seus membros para influenciarem os seus respectivos estados e localidades a deixarem os campos em funcionamento. Um dos argumentos é que o golfe oferece "imensos benefícios em tempos de crise".
Algumas empresas recorreram a lobistas com ligações à administração Trump para as ajudar a serem incluídas nas listas de sectores essenciais. Um gabinete de lobbying dirigido por um antigo "fundraiser" da campanha de Trump trabalhou para clientes na área das máquinas de lavar automáticas e no sector de seguros de habitação junto do ministério da administração interna (Homeland Security) que acabou por incluir na lista de sectores essenciais os serviços de máquinas automáticas de lavar e secar roupa, bem como todo o trabalho de notariado de apoio a serviços e transacções imobiliárias.
No caso da canábis, a maioria dos estados declarou a sua produção e comercialização essencial e incluiram o consumo para fins recreacionais (para além dos medicinais) porque se há negócio que os estados não conseguem parar são os negócios ilegais como o tráfico de droga.
Note-se que este trabalho de defesa de interesses empresariais e os respectivos documentos com argumentos que suportam essa defesa são objecto de "disclosure filling", isto é são declarados pelos lobistas e registados pelas administrações contactadas.
Por cá, enquanto a representação legítima de interesses continua por regulamentar, não sabemos exactamente o que andam as empresas a fazer junto do governo, dos deputados e das administrações para defenderem a sua actividade, com excepção de algum "lobbying público" através dos meios de comunicação social e que no essencial se limita a pedir ajuda financeira.
Uma aluna (sim, tenho uma aluna a ler o meu blog! :-) enviou-me a seguinte pergunta:
"Boa tarde professora! Como podemos classificar o tipo de comunicação feita pelas marcas como o Continente ou o Lidl, onde há um agradecimento feito aos funcionários das suas lojas com repercussões para o exterior? Podemos inserir este tipo de comunicação nos processos de Comunicação Interna?".
Eis um tema particularmente importante nesta crise. Sendo esta uma ameaça que afecta não apenas os clientes das empresas, mas todos os seus stakeholders, a atenção aos empregados assume uma relevância crítica. Diria mesmo que a comunicação interna deve estar no topo da lista das prioridades das empresas.
Antes de responder directamente à pergunta acima, convém recordar que as necessidades de comunicação com os empregados variam bastante de empresa para empresa e consoante o sector onde a empresa opera. Mas há um aspecto comum a todas: a necessidade de informação credível dos gestores para os empregados. As necessidades de informação vão desde a situação económica da empresa e o risco de perder o posto de trabalho, às várias medidas legislativas decretadas em estado de emergência, às medidas de segurança no trabalho para os que têm de continuar a trabalhar e, sempre que possível, o que vem a seguir e como vamos sair desta crise. Para além da informação, as pessoas esperam mensagens de compreensão e inspiração. O rápido esclarecimento de rumores ou notícias falsas é também fundamental.
Vários estudos demonstram que, em situação de crise, os trabalhadores confiam na comunicação interna como fonte principal de informação. É por isso fundamental que as empresas implementem, consoante a sua tipologia, mecanismos de comunicação eficaz e constante com os empregados. As plataformas possíveis são várias, desde a intranet a grupos de Whatsapp em empresas mais pequenas. Os meios podem ser simples mensagens informativas, videos, live streaming, partilha de links úteis, podcasts, etc. Num ambiente de incerteza, manter a ligação com a empresa, mesmo que remotamente, é fundamental para a saúde mental dos trabalhadores e, sobretudo, a percepção da empresa como socialmente responsável.
No caso das empresas que estão "na linha da frente", como a distribuição alimentar, as farmácias ou os transportes (para não falar dos profissionais de saúde ou do apoio social), os trabalhadores estão em situação particularmente frágil, pois estão impedidos de praticar o confinamento e assim estão menos protegidos, bem como as suas famílias. As empresas têm consciência de que estes trabalhadores merecem um reconhecimento e um incentivo especial. Há os casos referidos de insígnias que transformaram a sua comunicação comercial em agradecimento público aos seus trabalhadores. Outros, como é o caso do Pingo Doce, optaram por dar um prémio extra. Em qualquer dos casos, o reconhecimento é um dos principais factores motivacionais numa organização e, nesse sentido, os filmes referidos podem ser entendidos como parte integrante da comunicação interna, embora a sua exibição pública também afecte - em princípio, de forma positiva, a reputação da empresa junto dos outros stakeholders, incluindo os clientes.
E porque hoje é sexta (apesar de todos os dias agora me parecerem sexta-feira), deixo aqui uma nota mais ligeira.
Um excelente exercício de criatividade de um designer irlandês, Luke O’Reilly, para a marca Guiness. Note-se que a marca é alheia a esta criação, que foi desenvolvida no âmbito duma plataforma "One minute briefs", conforme se explica neste artigo da Marketeer.
Bom fim de semana. Em casa.
Agora que sabemos que o estado de emergência em Portugal foi, tal como esperado, prolongado, volto ao tema da economia comportamental.
Tal como tinha dito, a "behavioral economics" tem sido muito utilizada pelo governo do Reino Unido para desenvolver um conjunto de políticas públicas. Acontece que, desta vez, a aplicação do conceito de "nudge" para combater a pandemia ia tendo resultados desastrosos.
Numa primeira fase, o governo britânico baseou-se no conceito de "behavioral fatigue" para justificar a aplicação de medidas de confinamento muito ligeiras. A ideia é que, se as medidas forem aplicadas cedo demais, as pessoas vão cansar-se e existe o risco de começarem a transgredir exactamente no período mais crítico. Isso aconteceria por cansaço e porque sendo as medidas de confinamento eficazes geraria uma menor percepção do risco.
Daí que a primeira estratégia de Boris Johnson se tenha baseado na crença que seria impossível parar a disseminação do vírus e que a única solução passaria por desacelerar o progresso da doença até ser atingida - o mais rapidamente possível - a imunidade de grupo (por favor, não traduzam "herd immunity" por "imunidade de rebanho"!).
Ora, nem os cientistas comportamentais defenderam esta ideia. Reconheceram que a técnica das "nudges", pequenos incentivos que conduzem ao comportamento correcto, não funciona em situações de elevado risco de saúde pública. E cerca de 600 cientistas assinaram uma carta aberta ao governo pedindo a aplicação de medidas mais drásticas, capazes de gerar uma alteração radical do comportamento. Como sabemos, Boris Johnson acabou por inflectir na estratégia inicial.
Por cá, apesar da evolução da doença parecer estar relativamente controlada, o presidente e o governo acertaram um prolongamento do estado de emergência. E note-se que o primeiro ministro António Costa tem justificado esta medida precisamente com o argumento da "fadiga comportamental". O facto da população poder começar a perceber um risco diminuído e os efeitos psicológicos da quarentena podem provocar um sério retrocesso na progressão que estamos a conseguir.
#FiqueEmCasa
Já saíram as primeiras estatísticas relativas ao consumo na semana em que foi declarada a pandemia do coronavírus. As compras de bens alimentares e produtos de higiene cresceram mais de 200 por cento face ao mesmo período do ano passado. Cá, como aparentemente no resto do mundo, o facto mais insólito foi a corrida ao papel higiénico.
Diz o barómetro da Nielsen que nos produtos de Higiene Pessoal e do Lar é o papel higiénico que regista o maior crescimento (acima dos 200%) mas lenços, rolos e guardanapos, produtos para roupa e loiça, limpeza do lar, higiene corporal, fraldas/toalhetes e cuidados de saúde também ultrapassam o dobro das vendas.
A primeira tentação é qualificar este comportamento de totalmente irracional. E, na verdade, é. Mas é um comportamento perfeitamente identificado pelas teorias do comportamento, incluindo comportamento do consumidor. Trata-se de um enviesamento na tomada de decisão. Neste caso, o enviesamento da escassez (scarcity bias), aliado a outro processo cognitivo, a influência social (social proof). Este último é fundamental para acelerar o enviesamento da escassez: se um produto se esgota, existirá alguma razão para tal e, mesmo que não compreenda exatamente o fenómeno, também vou comprar. Deriva daqui um aumento do valor do produto (infelizmente patente em produtos mais essenciais como o álcool ou as máscaras).
Ainda assim, fica por explicar a origem deste fenómeno. Alguém, nalgum ponto do globo, decidiu açambarcar papel higiénico, os outros viram e, pelos processos acima descritos, também desataram a açambarcar, o fenómeno tornou-se viral nas redes sociais e, graças à globalização, invadiu o mundo inteiro? Esta pode ser uma explicação, mas haverá razões mais profundas no nosso subconsciente. A compra desenfreada de papel higiénico (e outros produtos de higiene) pode reflectir a necessidade que temos de limpeza e ordem face aos caos e à ameaça do "bicho".
Ter-se-ão juntado aqui um conjunto de circunstâncias que deram origem ao estranho mistério da corrida ao papel higiénico.
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