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Abri aqui no blog o debate sobre a nova identidade do Porto. Depois do "prós" do Pedro Figueiredo, Joaquim enviou os seus argumentos "contra". Dois excelentes textos e muita matéria para pensar quando se mexe numa marca-cidade. Obrigada aos dois.
Ao contrário do Pedro, que veio para a Invicta estudar, eu nasci e cresci no Porto. Sou aquilo que agora se chama um local e talvez por isso tenha com a cidade uma exigência maior do que aqueles que só agora acabam de chegar.
É certo que sou uma espécie de “estrangeirado”. Vivi muitos anos fora, mas sem nunca perder o contacto com a cidade. É no Porto que tenho a minha origem, os meus amigos de infância, a minha família, e foi no Porto que vivi e trabalhei nos últimos três anos.
Não sou por isso um estranho na minha própria terra e acho mesmo que o facto de viver noutras paragens me deu o distanciamento necessário para fazer uma análise que se quer clara e objectiva.
Mas não foi para falar de mim e da minha relação com a cidade que aceitei este desafio. O que aqui me traz é a recentemente apresentada marca “Porto.”, pomposamente apelidada de identidade visual por trazer agregada a si uns quantos elementos gráficos que podiam ser do Porto como de outra cidade qualquer.
Assim, mesmo tendo a noção que não é fácil, vou evitar todas as observações, vivências e experiências subjectivas que tive e tenho com a cidade. Dizer que há vários Portos e que cada habitante (ou visitante) tem o seu é apenas uma “lapalissada” que não acrescenta nada à discussão. De resto, isso é tão verdade para o Porto como para outra cidade qualquer.
Aquilo que irei apresentar nas próximas linhas é, portanto, a minha perspetiva sobre a nova marca e identidade da cidade. Nada direi sobre “o meu Porto” ou sobre o “Porto dos outros”. Em consideração tive o racional criativo apresentado em http://www.behance.net/gallery/20315389/Porto, cuja leitura recomendo, e este é o meu ponto: a nova identidade visual é apenas uma má materialização de um conjunto de boas ideias.
Para perceberem melhor aquilo que digo, convido o leitor a fazer um exercício. Comecemos por aquilo que supostamente era pretendido e bem: “Essa cidade nunca poderia ser uma entidade vazia, ou uma mera localização geográfica, limitada por barreiras físicas. Está cheia de vida, de carácter, de ícones e símbolos, de costumes e modos de viver, com lugares emblemáticos, paisagens e um horizonte muito particular. Não pode ser resumida num ou dois edifícios. Está viva, e a sua identidade não poderia ser fixa ou fechada. Precisava de respirar e crescer diariamente.”
Convido agora o leitor a olhar para a imagem acima. O que é que vemos? Vemos o nome de uma cidade fechado sobre si mesmo, isolado, onde tudo que é vivo ou (supostamente) tem vida acontece à sua volta. Vemos uma cidade finalizada por um ponto (é por isso que se chama final), impedida da progredir e limitada por um rectângulo que a isola do resto do mundo. Uma cidade fria, graficamente encaixotada, sem alma e sem expressão, incapaz de transmitir qualquer sentimento.
Ao contrário do que afirma o racional criativo, a nova identidade é a representação de uma cidade sem vida, fixa, fechada, impedida de respirar e crescer. Exactamente o oposto do pretendido e não é preciso ter um curso de semiótica para facilmente perceber isso.
Para que possam entender onde quero chegar tomem como comparação a marca de duas cidades: Nova Iorque e Amsterdão.
Nos dois primeiros casos a relação afectiva com a cidade éevidente: a paixão, no primeiro caso; o sentimento de pertença, no evidente: a paixão, no primeiro caso; o sentimento de pertença, no segundo. Já no caso do “Porto.” essa relação afectiva pura e simplesmente não existe. E basta uns conhecimentos básicos de branding (daqueles para totós) para perceber que isso é um factor determinante no sucesso de uma marca. Mais: no caso do “Porto.” existe apenas uma má atitude: não há partilha, não há proximidade, não há qualquer tipo de pertença. Apenas isolamento, distanciamento e frieza, acentuados pelo caráter gélido do azul, opção monocromática que castra a vivacidade e alegria das gentes do Porto.
A opção cromática foi, aliás, outro erro: definir uma cidade pela cor é tão incorreto como definir uma pessoa pelo tom de pele. O Porto tem de ser de todas as cores. É isso que se espera de uma cidade que se pretende “global” e “para todos” como aqui se diz. E mesmo que a intenção não tenha sido essa, é difícil falar em cor sem que a conversa resvale para questões clubísticas que, sabemos todos, dividem a cidade. Chama-se a isto comprar uma guerra desnecessária.
Porém, se alguma cor deveria estar presente na nova identidade - e alguma haveria de estar - essa cor seria o cinzento. Do céu e do granito, que conferem à cidade um tom misterioso, sentido, sombrio, que tão bem a carateriza sem, contudo, a definir. Basta caminhar pelas suas ruas para perceber isso, não sendo necessário referir autores, músicas, ou mesmo as pinturas de António Cruz.
Depois temos toda a simplificação iconográfica que respeita mais a tendência das modas do design gráfico do que o património da cidade. No Porto nada é simples. Tudo é pesado, carregado, excessivo, sem que isso seja necessariamente mau. Muito pelo contrário. O Porto é sentido e tem profundidade. Carrega em si o idealismo dos românticos, o excesso do Barroco, a exuberância da talha dourada. Não perceber isto ou pretender representar o Porto em linhas simplificadas - mesmo tendo em conta os supostos objetivos comerciais - é faltar à verdade da cidade e da sua história.
Por fim, temos aquele ponto final que não representa nada senão a incapacidade ociosa de progredir, um truísmo, uma redundância tão característica do pensamento tautológico: “O Porto é o Porto. Ponto.” So what?, pergunto eu. É isto que vou dizer a todos aqueles que perguntarem pela minha cidade? - “Desculpa mas a minha cidade não se define. O Porto é o Porto. Ponto”. Nada disto faz sentido. Até porque, se há cidade onde as pessoas têm sempre alguma coisa a dizer, essa cidade é o Porto, o Porto dos tripeiros.
“E agora?”, perguntam os autores da nova identidade. Agora o Porto ganhou uma identidade que terá uma vida curta. Porquê? Porque dificilmente os portuenses se sentirão confortáveis ou familiarizados com ela. Será sempre a identidade de alguns quando a ideia era que fosse uma identidade partilhada por todos: falta-lhe unidade, sentimento, paixão, proximidade e, principalmente, sentimento de pertença. Esta marca não é nossa. Ponto. E isso ser-lhe-à fatal. Porque se há coisa em que os portuenses são exímios, é a rejeitar aquilo que não é deles. E esta identidade não lhes pertence. Nem a eles nem à cidade. Este é o meu ponto.
*publicitário e professor de filosofia desempregado
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