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COMUNICAÇÃO INTERNA EM TEMPOS DE COVID

por Alda Telles, em 08.04.20

Uma aluna (sim, tenho uma aluna a ler o meu blog! :-) enviou-me a seguinte pergunta:

"Boa tarde professora! Como podemos classificar o tipo de comunicação feita pelas marcas como o Continente ou o Lidl, onde há um agradecimento feito aos funcionários das suas lojas com repercussões para o exterior? Podemos inserir este tipo de comunicação nos processos de Comunicação Interna?".

Eis um tema particularmente importante nesta crise. Sendo esta uma ameaça que afecta não apenas os clientes das empresas, mas todos os seus stakeholders, a atenção aos empregados assume uma relevância crítica. Diria mesmo que a comunicação interna deve estar no topo da lista das prioridades das empresas.

Antes de responder directamente à pergunta acima, convém recordar que as necessidades de comunicação com os empregados variam bastante de empresa para empresa e consoante o sector onde a empresa opera. Mas há um aspecto comum a todas: a necessidade de informação credível dos gestores para os empregados. As necessidades de informação vão desde a situação económica da empresa e o risco de perder o posto de trabalho, às várias medidas legislativas decretadas em estado de emergência, às medidas de segurança no trabalho para os que têm de continuar a trabalhar e, sempre que possível, o que vem a seguir e como vamos sair desta crise. Para além da informação, as pessoas esperam mensagens de compreensão e inspiração. O rápido esclarecimento de rumores ou notícias falsas é também fundamental.

Vários estudos demonstram que, em situação de crise, os trabalhadores confiam na comunicação interna como fonte principal de informação. É por isso fundamental que as empresas implementem, consoante a sua tipologia, mecanismos de comunicação eficaz e constante com os empregados. As plataformas possíveis são várias, desde a intranet a grupos de Whatsapp em empresas mais pequenas. Os meios podem ser simples mensagens informativas, videos, live streaming, partilha de links úteis, podcasts, etc. Num ambiente de incerteza, manter a ligação com a empresa, mesmo que remotamente, é fundamental para a saúde mental dos trabalhadores e, sobretudo, a percepção da empresa como socialmente responsável.

No caso das empresas que estão "na linha da frente", como a distribuição alimentar, as farmácias ou os transportes (para não falar dos profissionais de saúde ou do apoio social), os trabalhadores estão em situação particularmente frágil, pois estão impedidos de praticar o confinamento e assim estão menos protegidos, bem como as suas famílias. As empresas têm consciência de que estes trabalhadores merecem um reconhecimento e um incentivo especial. Há os casos referidos de insígnias que transformaram a sua comunicação comercial em agradecimento público aos seus trabalhadores. Outros, como é o caso do Pingo Doce, optaram por dar um prémio extra. Em qualquer dos casos, o reconhecimento é um dos principais factores motivacionais numa organização e, nesse sentido, os filmes referidos podem ser entendidos como parte integrante da comunicação interna, embora a sua exibição pública também afecte - em princípio, de forma positiva, a reputação da empresa junto dos outros stakeholders, incluindo os clientes.

 

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publicado às 14:27

Agora que sabemos que o estado de emergência em Portugal foi, tal como esperado, prolongado, volto ao tema da economia comportamental.

Tal como tinha dito, a "behavioral economics" tem sido muito utilizada pelo governo do Reino Unido para desenvolver um conjunto de políticas públicas. Acontece que, desta vez, a aplicação do conceito de "nudge" para combater a pandemia ia tendo resultados desastrosos.

Numa primeira fase, o governo britânico baseou-se no conceito de "behavioral fatigue" para justificar a aplicação de medidas de confinamento muito ligeiras. A ideia é que, se as medidas forem aplicadas cedo demais, as pessoas vão cansar-se e existe o risco de começarem a transgredir exactamente no período mais crítico. Isso aconteceria por cansaço e porque sendo as medidas de confinamento eficazes geraria uma menor percepção do risco.

Daí que a primeira estratégia de Boris Johnson se tenha baseado na crença que seria impossível parar a disseminação do vírus e que a única solução passaria por desacelerar o progresso da doença até ser atingida - o mais rapidamente possível - a imunidade de grupo (por favor, não traduzam "herd immunity" por "imunidade de rebanho"!).

Ora, nem os cientistas comportamentais defenderam esta ideia. Reconheceram que a técnica das "nudges", pequenos incentivos que conduzem ao comportamento correcto, não funciona em situações de elevado risco de saúde pública. E cerca de 600 cientistas assinaram uma carta aberta ao governo pedindo a aplicação de medidas mais drásticas, capazes de gerar uma alteração radical do comportamento. Como sabemos, Boris Johnson acabou por inflectir na estratégia inicial.

Por cá, apesar da evolução da doença parecer estar relativamente controlada, o presidente e o governo acertaram um prolongamento do estado de emergência. E note-se que o primeiro ministro António Costa tem justificado esta medida precisamente com o argumento da "fadiga comportamental". O facto da população poder começar a perceber um risco diminuído e os efeitos psicológicos da quarentena podem provocar um sério retrocesso na progressão que estamos a conseguir.

#FiqueEmCasa

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publicado às 11:02

papel-higienico-japao.gif

 

Já saíram as primeiras estatísticas relativas ao consumo na semana em que foi declarada a pandemia do coronavírus. As compras de bens alimentares e produtos de higiene cresceram mais de 200 por cento face ao mesmo período do ano passado. Cá, como aparentemente no resto do mundo, o facto mais insólito foi a corrida ao papel higiénico.

Diz o barómetro da Nielsen que nos produtos de Higiene Pessoal e do Lar é o papel higiénico que regista o maior crescimento (acima dos 200%) mas lenços, rolos e guardanapos, produtos para roupa e loiça, limpeza do lar, higiene corporal, fraldas/toalhetes e cuidados de saúde também ultrapassam o dobro das vendas.

A primeira tentação é qualificar este comportamento de totalmente irracional. E, na verdade, é. Mas é um comportamento perfeitamente identificado pelas teorias do comportamento, incluindo comportamento do consumidor. Trata-se de um enviesamento na tomada de decisão. Neste caso, o enviesamento da escassez (scarcity bias), aliado a outro processo cognitivo, a influência social (social proof). Este último é fundamental para acelerar o enviesamento da escassez: se um produto se esgota, existirá alguma razão para tal e, mesmo que não compreenda exatamente o fenómeno, também vou comprar. Deriva daqui um aumento do valor do produto (infelizmente patente em produtos mais essenciais como o álcool ou as máscaras).

Ainda assim, fica por explicar a origem deste fenómeno. Alguém, nalgum ponto do globo, decidiu açambarcar papel higiénico, os outros viram e, pelos processos acima descritos, também desataram a açambarcar, o fenómeno tornou-se viral nas redes sociais e, graças à globalização, invadiu o mundo inteiro? Esta pode ser uma explicação, mas haverá razões mais profundas no nosso subconsciente. A compra desenfreada de papel higiénico (e outros produtos de higiene) pode reflectir a necessidade que temos de limpeza e ordem face aos caos e à ameaça do "bicho".

Ter-se-ão juntado aqui um conjunto de circunstâncias que deram origem ao estranho mistério da corrida ao papel higiénico.

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publicado às 12:40

Comunicação em tempos de Covid #5 KISS

por Alda Telles, em 29.03.20

Uma comunicação clara e eficaz é geralmente desejável. Em tempos de crise e de comunicação vital para as populações, essa regra deveria imperar.

Passadas algumas semanas, a expressão "distanciamento social" parece-nos perfeitamente familiar. No entanto, no início da crise, era um conceito totalmente novo e não necessariamente assimilável pela a generalidade da população. Ora, tendo em conta que o alvo da comunicação em plena crise sanitária é toda a população, a clareza das mensagens é fundamental.

Deixo aqui um guia que serve de orientação para a maioria das mensagens estratégicas. A regra é o famoso KISS (Keep it Simple, Stupid).

keep it simple.jpg

 

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publicado às 17:15

Comunicação em tempos de Covid #3

por Alda Telles, em 27.03.20

Nesta crise, muitas marcas estão a tentar manter-se relevantes e inspiradoras para os seus clientes. E fazem-no essencialmente de duas formas: com acções de responsabilidade social e com peças criativas que passam informação útil ou sublimam a vida em casa.

A primeira razão para querermos, nesta altura, que uma marca comunique connosco é sentirmos que ela está a participar no esforço colectivo. Aceitamos também conteúdos "quentes", relacionados com a situação em que vivemos, como conselhos, informação útil, posts inspiradores nas redes sociais, que são o melhor local para manter a proximidade com os consumidores.

Mas é fundamental que as acções e as mensagens sejam perfeitamente compatíveis com aquilo que as empresas fazem. Ligações forçadas serão rejeitadas.

Recolhi algumas acções de responsabilidade social de empresas em Portugal.

O Grupo Nabeiro produz  agora, na sua fábrica de fardas de trabalho, máscaras que são distribuídas pelos hospitais.

mascaras nabeiro.jpg

A Galp pôs à disposição da DGS os mupis que tinha comprado para uma campanha comercial.

joana garoupa.JPG

No campo da publicidade, destaco o filme produzido pela Dove e pela equipa de brand entertainment da SIC. Um conteúdo adaptado ao momento e pertinente para a oferta da marca.

E ainda o filme da Ikea, mais uma vez pertinente e coerente com a marca.

Quem quiser partilhar outras iniciativas das marcas e das empresas, é bem-vind@.

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publicado às 16:03

À hora a que escrevo este post (fim do dia 21 de dezembro, dia seguinte ao anúncio da venda/resolução/desgraça do Banif), verifiquei que prossegue alegremente uma campanha institucional do banco em pelo menos todos os canais de informação da televisão e na rádio TSF.

O slogan da campanha é a assinatura do banco: "A força de acreditar". Perante uma população incrédula com o presente de natal envenenado que recebeu, esta campanha soa, no mínimo, a estranho, e, no máximo, a provocação. Provocação pela própria mensagem e, em simultâneo, pela inevitável sensação legítima de qualquer contribuinte de "dinheiro deitado à rua".

Não se entende como não foi suspensa esta campanha. O argumento que "já está paga" (ou melhor, já foi contratualizada) não faz qualquer sentido em gestão de marketing. Uma regra básica na gestão de comunicação de crise é a absolutamente necessária reavaliação de todas as campanhas e mensagens de marketing que estavam programadas, revê-las e suspendê-las se forem contrárias aos objectivos que presidiram a essa campanha e essas mensagens.

Penso que estamos claramente numa situação em que a gestão da marca - que está intimamente ligada à gestão do banco - deve estar alerta e em plenas funções.

Será que estão de férias? Ou já fugiram todos?

 

PS: se houver espaço já contratado e impossível de cancelar, porque não dá-lo a uma IPSS? Aqui está uma boa ideia e tão adequada à quadra natalícia. (uma sugestão de @pitchauba no twitter)

 

 

ADENDA: Sobre este assunto, recebi informação da Nova Expressão, a agência de meios do Banif.  A agência recebeu instruções do banco ontem, segunda-feira, ao início da manhã, para que todas as inserções fossem de imediarto canceladas. Fonte da NE esclarece que, por razões técnicas que se prendem com automatismos de programação, algumas ordens de cancelamento demoram mais tempo a efectivar-se em rádio e em televisão. 

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publicado às 23:32

Judy Smith, o alter ego de Olivia Pope

por Alda Telles, em 27.12.13

 

"Scandal", da ABC, é uma das poucas séries que sigo e, que eu saiba, a única que está centrada na área das relações públicas. Mais concretamente, na área da Comunicação de Crise.

 

Na série televisiva, Olivia Pope, "The Fixer", é uma profissional que gere uma agência de Relações Públicas especializada em gestão de crises, direccionada para clientes da área política no micro-cosmos de Washington. A série, que se pode classificar como um thriller político, gira à volta da relação amorosa de Pope com o presidente dos Estados Unidos.

 

Descobri há pouco que a protagonista Olivia Pope foi inspirada na figura real de Judy Smith, uma especialista em gestão de crises que tem uma agência com o mesmo nome e trabalhou com personalidades várias, sendo a sua maior referência o ex-presidente George W. Bush de quem foi assessora de imprensa. A estagiária Monica Lewinski e o derrame da BP no Golfo também constam da sua galeria. Uma das "espinhas" que parece ter entalada na garganta foi não ter sido contratada para gerir a crise do casamento de Tiger Woods (vale a pena ver esta entrevista ao Jon Stewart).

 

Smith é não só a inspiração, mas também a consultora e co-produtora executiva da série. Embora Scandal tenha evoluído para uma palhaçada em termos de argumento, ainda vale a pena pelos bons momentos e bons casos de gestão e comunicação de crise. Aí, o dedo da consultora está lá, nos detalhes e realismo que qualquer outra série policial americana teria caricaturado. (Esclareça-se que a ficcional relação de Pope com o presidente não tem nenhum fundamento numa suposta relação de Smith com George W. Bush).

 

Descobri também que Smith lançou um livro o ano passado sobre a sua experiência na gestão de crises. O livro, que ainda não li mas já encomendei (estou à janela à espera do drone), será um repositório da sua experiência de mais de vinte anos nestas lides.

 

O livro identifica sete traços comumente encontrados na origem de uma crise, que podem passar de positivos a negativos quando se perde o controlo:

  • Ego
  • Negação
  • Medo
  • Ambição
  • Acomodação
  • Paciência
  • Indulgência

 Em suma, as crises existem porque somos humanos. Às vezes, humanos demais.

 

 

Para quem nunca viu, fica aqui o trailer da primeira temporada de "Scandal"

 

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publicado às 09:00

 

24 horas depois de ter sido criada, a página de ódio no Facebook "Nunca mais vou beber pepsi" tinha mais de 65 mil "gostos"

 

Com pouco tempo e dois bons artigos escritos sobre o assunto, vou deixar apenas algumas notas sobre o caso Pepsi vs Ronaldo. Tema incontornável e certamente um case study na categoria "Burrice".

 

1. Uma marca global como a Pepsi não pode achar que faz uma campanha provinciana para sueco ver e achar que o mundo não vai ligar (esse é o principal eixo dos artigos que aqui vou partilhar)

 

2. Uma marca global como a Pepsi, de um produto líquido e escuro, deve pensar muito bem antes de se meter com outra marca global, só que de carne e osso e geradora de paixões como uma estrela de futebol.

 

3. A marca agiu by the book: o primeiro passo, em comunicação de crise, é admitir imediatamente o erro e pedir desculpas. Embora com algumas limitações: fê-lo apenas na sua página do Facebook. No site, é como se nada tivesse acontecido. Também devia ter alargado as suas desculpas a todos os seus consumidores e não apenas ao Ronaldo, à selecção nacional e "aos que se sentiram ofendidos". A marca devia ter repudiado a campanha "criativa" pela homofobia, xenofobia e incitamento à violência que certamente não se insere nos seus valores. Foi uma resposta demasiado frouxa para acalmar os ânimos e aquém daquilo que se espera de uma empresa global.

 

4. Uma terceira marca está omnipresente nesta crise: a Coca-Cola. Num mercado duopolista, a desgraça de uma é a felicidade da outra. Um estado de graça com que qualquer concorrente sonha.

 

Aqui deixo os artigos que gostei de ler sobre o assunto:

 

Pepsi e o futebol: o que não pode acontecer

 

Pepsi vs Ronaldo ou será Golias vs David?

 

Adenda: o Francisco Teixeira fez também uma interessante análise no Facebook.

 

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publicado às 19:30

Anatomia de uma crise: o caso Ensitel

por Alda Telles, em 31.12.10
A fechar um ano de grandes (r)evoluções na área da comunicação e das Public Relations, o caso Ensitel trouxe muito food for thought. Que ainda vai alimentar muito artigo em 2011.Para quem não leu, deixo aqui o meu pequeno texto de opinião na Briefing.Boas entradas aos nossos leitores, para o ano cá estaremos. Com boas novidades.

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publicado às 15:05

BP: Bad Publicity ou Beyond Pr?

por Alda Telles, em 04.05.10
A tragédia ambiental que assola o Golfo do México desde 20 de Abril deitou por terra a  imagem de "empresa verde" e ambientalmente responsável que demorou dez anos a constuir. Numa gigantesca (e bem sucedida) operação de rebranding a sigla BP deixou de significar British Petroleum para se assinar Beyond Petroleum.Hoje, a BP vive uma crise em várias dimensões: operacional, jurídica, comunicacional e reputacional. Embora o acidente fosse expectável num dos maiores exploradores petrolíferos do mundo, as reacções pouco assertivas e concertadas deram a imagem de que a BP não estava preparada para semelhante tragédia. O que parece pouco plausível.A explicação talvez resida no problema comum a todas as mega-organizações: uma estrutura pesada, lenta a reagir. Outro dado importante deste caso parece ser a primazia das acções legais na gestão da crise, remetendo a gestão da comunicação para uma fase (demasiado) tardia. O público ficou chocado quando a primeira comunicação pública da BP foi a oferta de 5 mil dólares a cada lesado que prescindisse de futuras indemnizações.Só no passado fim-de-semana a BP se decidiu pela criação de um website "DeepWater Horizon Response" dedicado a responder a perguntas e prestar informações, incluindo os efeitos nos estados afectados (Louisiana, Alabama, Mississippi e Florida), uma página no twitter e outra no facebook com permanentes actualizações. Uma boa utilização das redes sociais, embora incompreensivelmente tardia. Note-se, contudo, que o site e as contas sociais não são da BP, mas da empresa concessionária (fará sentido este eufemismo? talvez por razões jurídicas, mais uma vez).A principal conclusão, para já, é que a BP se enredou no território da crise e da prevenção da litigação sem uma mensagem de proximidade e de compromisso com os valores que tão bem tem defendido. Parece que a comunicação e a gestão da reputação foram engolidas pelas operações e pelos advogados.E, num instante, BP passa de Beyond Petroleum a Beyond Pr. Um caso a seguir.

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publicado às 13:26

[caption id="attachment_249" align="aligncenter" width="614" caption="Capas dos jornais hoje no Reino Unido"][/caption]

Gordon Brown está a viver um dos maiores pesadelos que um político em vésperas de eleições pode viver. Foi difundida uma conversa privada com o seu staff (creio que pela Sky News)  e cuja novela podemos ver aqui.

É provável que este episódio não tenha uma influência decisiva nas votações. Nesta altura, quem não gosta de Brown tem mais motivos para alimentar ódios, quem já pretendia votar Labour não levará o desabafo a peito. Pelo menos, uma sondagem ontem do Sun (que o jornal, significtivamente, não publicou) revelou que a maioria dos ingleses não se sentiu especialmente incomodada com os comentários.Em termos de comunicação, o "Bigotgate" suscita duas questões que me interessam. A primeira, a divulgação de uma conversa completa e inequivocamente privada entre Brown e o seu staff, dentro do seu carro, com a porta fechada. O facto de o microfone ter ficado ligado não justifica, na minha opinião, que a estação de televisão tenha utilizado o que designo de verdadeiras "escutas ilegais".Há quem dirá que são de "interesse público", porque "revelam o verdadeiro carácter" e a hipocrisia de Brown. Hipócritas são aqueles que fingem acreditar que, como muito bem disse Vasco Campilho no twiiter, "não há ninguém que, nalgum momento, não tenha acenado a alguém enquanto entre-dentes lhe chamava de parvo". Isto não define o carácter de ninguém, muito menos um político desgastado, sob enorme stress, numa disputa eleitoral renhida.O segundo aspecto, e o que mais me interessa, é a "gestão da crise mediática" dos conselheiros de Gordon Brown. O pedido de desculpas público, a explicação dada numa entrevista à BBC, creio que se impunha. O caso foi demasiado exposto.A ida de Brown a casa da Sra. Duffy, para lhe dar explicações pessoalmente, e ainda se desculpar com o seu satff, foram, a meu ver, patéticas e absolutamente desnecessárias. Segundo as sondagens, os mesmos que acharam um escândalo o que ele disse da "bigotuda" senhora, acharam que Brown não estava a ser sincero (e acredito que não) e os que não lhe deram importância talvez se tenham sentido um pouco incomodados.O desvario mediático, levado aos extremos no Reino Unido (parece que a Sra. Duffy já tem um agente de relações públicas) leva ao desnorte da comunicação de crise. Estamos a criar políticos patetas e medrosos e uma opinião pública intoxicada, quando os desafios dos países e das populações nunca foram tão terríveis.

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publicado às 14:36

Igreja Católica e Comunicação de Crise

por Alda Telles, em 04.04.10
O recente "massacre mediático" da Igreja Católica a propósito dos designados "escândalos da pedofilia" tem derramado rios de tinta (e, sobretudo, milhões de caracteres).Para além da dialética ateus/cristãos, e análises morais e políticas, alguns profissionais de comunicação não puderam evitar equiparar o caso a um típico problema de comunicação de crise.Estamos, sem dúvida, face a uma grave problema de reputação de uma instituição com amplos efeitos na sociedade que extravasam, em muito, a relação dos crentes com a sua fé. A Igreja Católica tem influências vastas na organização das sociedades, nas decisões políticas e nas relações entre cidadãos. Esta crise de reputação afecta, e muito, o mundo em que vivemos.Do ponto de vista das relações públicas, a Igreja tem de fazer face a esta crise repondendo, antes de mais, aos seus stakeholders, isto é, todos aqueles que de alguma forma, se sentem impactados pelas sua acção. E desde logo vemos que este conceito vai muito para além dos crentes, dos católicos. São partes interessadas os ateus (que não perderam, naturalmente, esta oportunidade), os agnósticos e, noutra dimensão, não directamente filosófica, todos os que se relacionam com a instituição: governos, organizações sociais, e cidadãos em geral.Temos outro stakeholder importante: os funcionários da Igreja, actuais e potenciais.Numa primeira fase, a protecção "dos seus" e a esperança de que o assunto esmorecesse,  levou o Papa a reagir na forma primária, procurando desvalorizar a crise como simples " murmúrios da opinião pública". A segunda reacção, também vem nos livros, não livrou a Igreja  da tentação de culpar os criminosos, como assumiu esta semana em Portugal D. Januário Torgal, ilibando ao mesmo tempo de responsabilidades o chefe máximo da instituição. Se pode ser vista como uma declaração corajosa, não deixa de ser a típica reacção de "matar o mensageiro". Para salvar a reputação da instituição, lança-se o anátema sobre os seus representantes.Nada disto augura de positivo na gestão da crise. Os escândalos e os crimes de pedofilia não serão socialmente perdoados, e o recrutamento de novos talentos para a organização será cada vez mais difícil.Uma comunicação aberta, uma doutrina concreta que responda a este aspecto lúgubre da instituição será o único caminho. O mundo fica à espera de uma posição firme e inequívoca da Igreja. Será Bento XVI capaz de organizar uma cimeira, um Concílio, de que emane uma resposta satisfatória para a humanidade? Nomeadamente, um rigoroso código de conduta e as respectivas sanções.Quando o mundo atravessa uma crise tão profunda, em tantas dimensões, a Igreja pode transformar esta crise numa oportunidade.

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publicado às 22:42

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